O CRISTÃO E O ATEU
Por Gecilio Souza
O confronto das ideias
Uma perspectiva nos deu
Porque graças ao debate
A luz do saber se acendeu
Impulsionou a filosofia
A ciência se desenvolveu
Foi desta relação tensa
Que a própria política nasceu
Salutar, não obstante
O arranca-rabo marcante
Foi entre o cristão e o ateu
O público compareceu
Interessado e curioso
Para ouvir os argumentos
E quem seria vitorioso
A imprensa estava lá
Com seu mote capcioso
Não sobrou lugar vazio
O ambiente era nervoso
Olhares de parte a parte
Quem iniciou o debate
Justamente o religioso
Paramentado e vaidoso
Ostentando conhecimento
Se dirigiu ao ateu
Com os braços em movimento
Exibiu um exemplar
Cópia do novo testamento
E disse aqui é o meu guia
Meu conforto e alimento
Você não acredita em nada
Nem Deus nem bíblia sagrada
E em nenhum mandamento
Perspicaz e muito atento
Retrucou-lhe o oponente
Tenho a honra de ser ateu
O sou convicto e consciente
Se alguém tem fé ou não
Para mim é indiferente
Respeito suas convicções
Mas vale reciprocamente
Sua lâmpada é a religião
Minha lanterna é a razão
Que me guia diariamente
O religioso prontamente
Reabilitou os fariseus
E com sutil deselegância
Agrediu todos os ateus
Rotulando-os de maus
Citou o livro de hebreus
Atacou os demais credos
Estigmatizou os judeus
Rebateu a afirmação
Negou crer em religião
Disse acreditar só em Deus
Como um carro sem pneus
Que não vai a lugar algum
É um castelo de fantasias
Palavrório e zum zum zum
Manipulam a mente humana
Controlam o homem comum
Foi a resposta do ateu
Que refutou um por um
Vocês atiraram o mundo
No abismo mais profundo
Mas louvam e fazem jejum
Sem autocontrole nenhum
O cristão se revoltou
Dirigindo-se ao ateu
Diretamente o acusou
De estar na raiz do mal
Porque de Deus se afastou
E apontando para a bíblia
Um versículo recitou
Ofegante e exaltado
Disse o mundo está arruinado
O ateu que o arruinou
Foi quando o ateu indagou
Colocando-lhe na prensa
Não se dá resposta simples
A uma questão que é densa
Quando alguém lhe questiona
Você toma como ofensa
A minha luta pela paz
É incansável e intensa
De todos quero o bem estar
Nem aqui ou outro lugar
Almejo alguma recompensa
A minha fé é imensa
Disse o cristão com ufanismo
A salvação deste mundo
É somente o cristianismo
Maldito é o ser humano
Que não aceita o batismo
Põe em dúvida as escrituras
É adepto do comunismo
Defendi e defenderei
Que se aprove uma lei
Proibindo o ateísmo
Se este é o seu catecismo
Disse o ateu ao cristão
Ele assassina o seu Deus
E transforma sua religião
Numa eclesial penitenciária
Masmorra ou bíblica prisão
Prefiro estar fora dela
Sem remorso ou ilusão
Quanto mais você se explica
Em mim se solidifica
A ateísta convicção
Com a dita bíblia na mão
Disse o crente inconformado
Você é servo do diabo
E consequentemente culpado
Por tudo que há de ruim
No presente e no passado
As doenças e maldições
São frutos do seu pecado
Um dia você se entrega
Ou o diabo lhe carrega
Porque já está condenado
O ateu achou engraçado
Quis saber se estava escrito
Conseguiu fazer o cristão
Ficar inseguro e aflito
Então lhe antecipou
Se acalme, não acredito
Já superei esta fase
Não sofro de tal conflito
Me oponho às aleivosias
Seus delírios e fantasias
Próprias do credo esquisito
Nosso senhor Jesus Cristo!!
Exclamou o crente ofendido
Isto é ideia do diabo
Você deve estar possuído
A vingança do senhor
Lhe pegará desprevenido
Quem ousa desafiar Deus
Será duramente punido
Aceite Jesus, irmão
Ou perderá a salvação
É tempo de ser convertido
Já conheço este alarido
O ateu falou com graça
São reiterados bordões
Com teor de ameaça
Pregados aos quatro ventos
No templo, no ônibus, na praça
Porém reforçam os estigmas
Contra cor, sexo e raça
É a embriaguez dos crentes
Que discriminam os dependentes
De festa, droga e cachaça
O cristão apertou a calça
Passou a mão na barriga
E disse para o ateu
Com Deus não se faz intriga
Ele é justo e implacável
Que aos descrentes castiga
Você quer brigar com ele
Mas vai perder feio a briga
Uma metáfora importante
Ele é maior que um gigante
Você menor que uma formiga
O ateu falou: prossiga
Sei que você não desiste
De tentar vencer a mim
E iludir a quem assiste
Tenho muito a lhe dizer
Não fique irritado ou triste
As sentenças que profere
Se resumem em palpite
Tudo se acaba na terra
E jamais declaro guerra
Contra alguém que não existe
Isto é de causar gastrite
Respondeu o cristão já rouco
Todo ateu é demoníaco
E perigosamente louco
Não crê e duvida de tudo
Tem ouvidos mas é mouco
É escravo deste mundo
Fã do Francisco Cuoco
Deus não falha nem hesita
E para quem não acredita
Todo castigo é pouco
Mas que discurso narouco
O ateu lhe deu uma sova
Voltamos à Idade Média
Não há uma religião nova
Expansão do dogmatismo
Afirma e não mostra a prova
Prega, grita e vocifera
Mas convence é uma ova
Nossas sortes são iguais
Somos míseros mortais
Que apodreceremos na cova
Açoitado pela trova
Bravo o cristão reagiu
Invocou o ódio divino
E o livro sagrado abriu
Recitou alguns versículos
O seu tom de voz subiu
Tentou rebater o ateu
Mas se engasgou e tossiu
Com o indicador em riste
Proclamou você existe
Porque Jesus permitiu
O ateu não resistiu
E soltou uma gargalhada
Mas respondeu ao cristão
De forma muito educada
Você está de brincadeira
Porque só aumenta a zoada
Divaga, inventa e repete
Não fala nada com nada
Quero lógico argumento
E não o descarregamento
De uma mente perturbada
O cristão perdeu a toada
Pausou e sacudiu o terno
Com advertências ao ateu
Deus anota no caderno
Você é um caso perdido
Seu destino é o inferno
Persiste em desafiar
O divino pai eterno
Que lhe dá sua proteção
Na primavera e no verão
No outono e no inverno
O seu Deus é bem moderno
Disse o ateu com ironia
Aderiu ao capital
Intervém na economia
Controla TVs e rádios
Detém a maior fatia
Do poder "pecaminoso"
Que engana e ludibria
Tem dinheiro e truque novo
Enquanto parte do povo
Dorme de barriga vazia
Que absurda heresia
Disse o cristão descontente
Tudo o que arrecadamos
Pertence a Deus somente
Ele quer a contribuição
E o dízimo de sua gente
Para fortalecer a igreja
Expulsar o espírito doente
O missionário pregador
É mero administrador
Da santa conta corrente
Tão notório e evidente
Este seu farisaísmo
Prega uma coisa e faz outra
E recrudesce o abismo
Que há entre ricos e pobres
Sintomas do capitalismo
Eis aí um dos motivos
De condenar o socialismo
Não compartilha o que é seu
Critica e condena o ateu
E abençoa o consumismo
Demonstrando nervosismo
O cristão se alterou
E olhando para o ateu
Nos seguintes termos falou
Você é a podridão do mundo
Mas a morte lhe poupou
Tem que ser exterminado
A mim Deus determinou
Combater todo inimigo
Você é o maior perigo
Que no perfil se enquadrou
O ateu lhe indagou
A hipocrisia é um dote?
E se sim quem o possui
O homem fraco ou o forte?
Por fora é macia lã
Por dentro é como serrote
Cristãos defenderem armas
Tanto a posse quanto o porte
Jogam a bíblia no esgoto
São contrários ao aborto
E defendem a pena de morte
O cristão apelou à sorte
Contra o seu opositor
Lhe faltavam argumentos
Mas lhe sobrava suor
E disse para o ateu
Você defende estuprador
Se opõe à pena de morte
Mas do aborto é a favor
Sangue de Jesus tem poder
Quem mata merece morrer
Por ordem de nosso Senhor
Teológica fé do terror
Disse o ateu ao cristão
No caso da pena de morte
Minha tese é a de Platão
No aborto sou Aristóteles
Sem ódio ou retaliação
Filosofia antagônica
À religiosa contradição
Esta é a ética dos ateus
Que não acreditam em Deus
Porque sua luz é a razão
Você é um maldito pagão
E pronuncia o que quiser
Tomara seja atingido
Por uma tragédia qualquer
Suas teses são diabólicas
Inspiradas em Lúcifer
Apóia o casamento gay
Defende o negro e a mulher
Discursou nervoso o crente
Mas o ateu tranquilamente
Nem franziu o cenho sequer
Venha de onde vier
Disse o ateu com vigor
Repilo essa ideologia
Própria do pior opressor
Crença que instiga o ódio
A intolerância e a dor
Que religião é essa
Onde segregar é um valor?
Cultores dos maniqueus
Mas afinal o seu Deus
É da vingança ou do amor?
O cristão mudou de cor
E sacudiu o pedestal
Defendeu com unha e dentes
A maniqueísta moral
Invocou a intervenção
Do poder sobrenatural
Alegando que o mundo
Mergulhou num lamaçal
Por culpa do comunismo
Resultante do ateísmo
Que é a causa de todo mal
O ateu falou: é normal
Você repetir a pilhéria
Até porque não consigo
Esperar resposta séria
Aproveito para lembrá-lo
Que temos a mesma miséria
E seremos consumidos
Pela faminta bactéria
A vida é uma contingência
Portanto toda a existência
Se resume na matéria
O cristão baixou a artéria
Fechou a bíblia e saiu
Visivelmente sem graça
De ninguém se despediu
O ateu acenou ao público
Que de pé lhe aplaudiu
A platéia muito atenta
Do início ao fim assistiu
E assim findou o debate
Com a vitória de uma parte
Conforme você concluiu.
G. S.