Perguntei ao zelador

Perguntei ao zelador

O valor de uma pousada

Ele disse meu senhor

Aqui não se cobra nada

O que temos de valor

É o custo da jornada.

Eu lhe disse, agradecido,

Mas o preço é muito alto

Eu sou um despossuído

Perdi tudo em um assalto

E por ser um desvalido

Passo as noites no asfalto.

Minha casa é uma gruta

Tenho um cobertor de palha

Pra comer ganho uma fruta

Água eu pego na talha

Meu fogão é pedra bruta

Meu lençol, uma mortalha.

Olvidei de perguntar

Como posso progredir

Ele disse ame olhar

É necessário subir

cada passo que andar

impossível regredir.

Ele então me ofereceu

Um cantinho no porão

Disse seria meu

Quando não tivesse um chão

Nada mais me prometeu

Mas me estendeu a mão.

Naquele canto sagrado

Encontrei a minha paz

Fui falar muito obrigado

Como um pobretão faz

Mas ouvi alguém ao lado

Dizendo ser capataz.

Eu lhe disse por favor

Descarregue a sua ira

Não me julgue um invasor

Se quiser use uma embira

Pra prender o viajor

Que traiu por quem suspira.

Veio a mim uma mulher

Toda vestida de branco

Perguntei o que ela quer

Ela disse pra ser franco

Eu devo levar prazer

Para quem dorme no banco.

Respondi envergonhado

Como posso fazer isso

Ela disse que ao lado

Sempre há muito serviço

Pelo que me fora dado

Esse era o compromisso.

Comecei a trabalhar

Devagar, quase parando,

Tinha medo de errar

E de alguém me vigiando

Mas depois de acostumar

Eu fui me aprimorando.

Arrumei a minha casa

Coloquei flor na janela

No fogão coloquei brasa

Pus o feijão na panela

Meu relógio não atrasa

Meu almoço é na tigela.

Alguém diz que isso é pouco

Para mim é uma riqueza

Alguém diz que eu sou louco

Acho isso uma beleza

Vou fazendo ouvido mouco

E mantendo a chama acesa.

Meu cantinho está guardado

Nele está o meu cantil

Para quem chegar cansado

Tomar água que não viu

Vai poder olhar pra cima

Ver o céu azul anil.

Hoje eu tenho o meu farol

Meu antigo zelador

Um amigo de escol

Diligente professor

Ele mostra a luz do sol

Sem exceder no rigor.

Eis aqui a minha história

Toda feita de tropeços

Poucas foram as vitórias

Mas paguei o justo preço

Está tudo na memória

Cada qual num endereço.

Encontrei na minha história

O restante da família

Pode ser coisa irrisória

Mas revi a minha filha

Que nasceu como uma gloria

E seguiu em boa trilha.

E assim fui caminhando

Carregando o aparato

Que ganhei sem ter comando

Mas honrei o meu contrato

Não mais vivo reclamando

Para Deus não sou ingrato.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 06/04/2019
Código do texto: T6616681
Classificação de conteúdo: seguro