UM MENINO ARRUACEIRO TRANSFORMADO PELA ESCOLA OU UM ABRAÇO QUE SALVA

POR JOEL MARINHO

Juan Pedro era um menino

Arrogante e arruaceiro

Desde que chegou na escola

Naquele dia primeiro

Acabou com toda a paz

Com seu jeito desordeiro.

Logo na primeira aula

Jogou papel na professora

Na hora do intervalo

Tentou voar na vassoura

Se esparramou no chão

Furou a mão na tesoura.

Já na primeira semana

Todo mundo o conhecia

Pelas terríveis mazelas

Que o menino fazia

E tinha só doze anos

Aquela alma vazia.

Logo todos os professores

Pediram a sua expulsão

Somente um professor

Levantou a sua mão

Pediu mais uma semana

Pra ensinar a lição.

Chamou a si a “responsa”

Pois queria conhecer

Um pouquinho de Juan

E dar o seu parecer

Saber qual o seu problema

Antes do “couro comer”.

Então sentou o menino

Bem na cadeira da frente

Ele subiu na cadeira

Caiu e quebrou dois dentes

O professor observa

Com seu olhar de docente.

Depois que o sangue estancou

O professor disse então

Juan pegue seu caderno

E o seu lápis na mão

Escreva o que quiser

Essa é a sua lição.

Juan fitou o docente

Com olhar desafiador

Com o seu lápis na mão

Pegou o apontar

Cinco minutos apontando

E olhando ao professor.

Posso escrever qualquer coisa?

Juan então indagou

Sim, senhor pode escrever

O que sua mente mandou

Não terá um julgamento

Eu prometo ao senhor.

E pela primeira vez

Desde que chegou na escola

O menino baixou a vista

Sem se importar com cola

E passou a escrever

Como um pássaro na gaiola.

O professor só olhava

Para a sua expressão

Cada frase que escrevia

Via crescer o borrão

Até que a primeira lágrima

De Juan caiu no chão.

O professor vendo aquilo

Não ousou interferir

E Juan devaneou

Com o pensamento a fluir

Perdeu-se naquele transe

Sem vontade de sair.

Com meia hora depois

Tinha duas páginas escritas

Entregou ao professor

Com a fisionomia aflita

Como um porre que cambaleia

Com a cara só “birita”.

E pela primeira vez

Ousou em pedir licença

Pra ir até o banheiro

Se refazer da “sentença”

Ficou lá por dez minutos

Sem saber como se pensa.

Voltou depois para a sala

Com um receio talvez

Ficou quieto em seu canto

Com a sua “pequenez”

Pensando na expulsão

E ir embora de vez.

O professor foi pra casa

Com muita curiosidade

Para ler aqueles escritos

Chegou, ficou a vontade

Porém ao começar ler

Se emocionou de verdade.

Obrigado, grande mestre

Assim Juan começou

Pela primeira vez fui ouvido

E tudo graças ao senhor

Pois achava que nem Deus

Via em mim algum valor.

Sei que vim de uma família

Mas não conheci meu pai

Minha mãe faz tanto tempo

Se eu ver não lembro mais

Fui criado como bicho

Nos braços de Satanás.

Quando eu tinha um ano e meio

A minha mãe foi embora

Minha vó me acolheu

A quem chamo de senhora

Mas quando fiz cinco anos

Morreu sem muita demora”.

Fiquei sozinho no mundo

Sem ninguém pra dar guarida

Mandado a um orfanato

Cresceu em mim a ferida

Tantos maus tratos que tive

Pensei tirar minha vida.

Mas logo essas ideias

Eu fui deixando pra trás

Comecei com meus delitos

Daqueles que ninguém faz

Com dez anos já matei

Roubei moça e rapaz.

Sou uma planta no deserto

Sem ter a quem recorrer

As coisas que aprendi

Foi para sobreviver

A vida foi tão perversa

Que nem me deixou morrer.

Quando cheguei a escola

Vi todos olhar pra mim

Com tanta reprovação

Que logo fiquei a fim

De fazer tanta arruaça

E ser expulso daqui.

Mas aí vem o senhor

Se sentiu desafiado

Me senti especial

Pois por alguém fui olhado

E pela primeira

Não me senti reprovado.

Não sei mais o que fazer

Penso que não tenho jeito

Pois da “fábrica” que sai

Já vim com grande defeito

Talvez o jeito que tenho

É uma bala no peito.

Depois de ler a história

Contada pelo Juan

O professor soluçava

Sentado em seu “divã”

Igual Adão sendo expulso

Quando comeu a maçã.

Dormiu depois de um tempo

Tamanha era ansiedade

De chegar no outro dia

E dar um abraço a vontade

Tentar “salvar” uma vida

Antes que seja tão tarde.

No outro dia cedinho

Foi o primeiro a chegar

E andando devagarinho

Viu o Juan a entrar

Queria ir ao encontro

Para o menino abraçar.

Mas esperou pela hora

De ir para a sua sala

Ao entrar deu seu bom dia

E abriu a sua mala

Na qual levava seus livros

E o saber que exala.

Trabalhou todo o seu tempo

E Juan sempre calado

Pensando naquela bronca

Que o mestre tinha guardado

Taciturno em sua carteira

Nem parecia danado.

E quando a aula acabou

Todo mundo foi saindo

Quando Juan levantou

O mestre o olhou sorrindo

Fique só você, Juan

Sentiu seu sangue sumindo.

E quando todos saíram

Ele olhou fixamente

Para o menino franzino

Tão frágil a sua frente

Abraçou-o com tanta força

Que o fez ranger os dentes.

E Juan sem entender

Com as lágrimas do professor

Mesmo com toda secura

O menino também chorou

Pela primeira vez sentiu

A chama do tal amor.

Nenhuma palavra mais

Só choro e um longo abraço

E só depois de um tempo

Disse Juan, o que faço?

O mestre lhe respondeu

Seja forte como o aço.

Porque daqui para frente

Se você me prometer

Que não fará as besteiras

Que estava a fazer

Prometo dar mais ouvidos

Aos anseios de você.

E depois daquele abraço

A coisa foi se moldando

Juan sentiu-se à vontade

E aos poucos melhorando

Devagar, porém sereno

As lições acompanhando.

Assim depois de um tempo

Juan se desenvolveu

Com cinco anos mais tarde

Aquele que o conheceu

No dia que ali chegou

Nem lembrava os traços seus.

E quantos “Juans”” nós temos

Em todo o nosso Brasil

Quantos no fosso profundo

No sangue se sucumbiu

Por falta de um abraço

Morreu e ninguém ouviu.

Quantos clamam por socorro

Sucumbido pela maldade

Quantos marginalizados

Vivem nas grandes cidades

Mendigando a própria sorte

Nesse mar de crueldade

E nós julgamos de cara

Nem procuramos saber

Qual história está por trás

Daquele “malvado” ser

Que perdeu a humanidade

Antes mesmo de nascer.

Sei que nem tudo na vida

Pode ser romantizado

Porém antes de julgar

Se ponha do outro lado

Empatia sempre é bom

Não julgue pra não ser julgado.

Às vezes o que nos falta

É apenas um abraço forte

E um sorriso sincero

Que nos livra da tal “sorte”

Um abraço traz esperança

E faz crescer a bonança

Livrando muitos da morte.