MINHA ALMA MATUTA FOI GERADA NAS ENTRANHAS DO VENTRE DO SERTÃO

Nas quebradas da serra eu me criei

A caçar juriti, fogo-pagou

Pequenina menor do que o grou,

Sabiá, carcará, urubu-rei.

Muita água nas costas carreguei

Depois de puxar de um cacimbão.

Para encher, pote tina e camburão

E fazer uma longa caminhada

Minha alma matuta foi gerada

Nas entranhas do ventre do sertão.

Passei minha infância em Pacoti

Depois fui morar em Baturité

Plantei milho, feijão também café.

De visgo peguei até bem-te-vi

Sanhaçu, azulão e colibri

Fiz farinha no Sítio Buração

Montei forjo, arapuca e alçapão

Nadei em rio em grande enxurrada

Minha alma matuta foi gerada

Nas entranhas do ventre do sertão

Plantei muita latada de chuchu

Andei em lombo de jumento brabo

Apanhei de chicote que só o diabo

Por brigar e insultar com o Bambu

Morador da Oiticica do Babu

No vizinho ia ver televisão

Lá em casa a luz era de lampião.

Só adulto bebi água gelada

Minha alma matuta foi gerada

Nas entranhas do ventre do sertão

Pesquei peixe de anzol e landuá

Camarão, muçum, piaba até traíra

Que trazíamos em uma embira

Minha mãe fazia de pão aluá

Quando não havia coca, guaraná.

A comida cozida no carvão

Carne seca, farinha com feijão,

Omelete, antiga malassada.

Minha alma matuta foi gerada

Nas entranhas do ventre do sertão

Viajei nos conhecidos pau de arara

Alpargatas de solo por calçado

Vesti calça com fundo remendado

Em roçado fiz fogo em coivara

Plantei cana pra açúcar demerara.

Nas quadrilhas dancei bom baião,

No País não havia tanto ladrão

Moda não era usar calça rasgada

Minha alma matuta foi gerada

Nas entranhas do ventre do sertão

Fortaleza, dezembro/2018

Mote: Valdir Teles e João Paraibano

Glosa: Henrique César Pinheiro