INGRATIDÃO AO JUMENTO
INGRATIDÃO AO JUMENTO
Miguezim de Princesa
I
Padre Vieira falou:
"O jumento é nosso irmão!";
Gonzaga homenageou
O Jerico no baião;
Mas quem sempre usou o jegue
Lhe paga com ingratidão.
II
Nas costas de um jumento,
Jesus Cristo foi levado
Por São José e Maria
Quando era procurado:
Num momento muito tenso,
Rei Herodes fez o censo
E o queria capturado.
III
Porque fugiu com Jesus,
O jegue é bicho sagrado,
Mas o progresso chegou,
Infame e descontrolado:
Trouxe a moto pro sertão
E o jumento, nosso irmão,
Vive hoje abandonado.
IV
Foi expulso do roçado
E cumpre uma sina pesada:
Sem abrigo e sem ração,
A vagar pela estrada,
Herdeiro da escravidão,
Sentindo a ingratidão
Dos que não lhe pagam nada.
V
Diz a lenda que o jumento
Carrega nas costas uma cruz,
Deixada por um pipi
Do menininho Jesus,
E é um sinal do novo,
Da caminhada do povo
Em busca de uma nova luz.
VI
Abandonado e sofrido,
Pelos caminhos a vagar,
O jegue é capturado
Por quem só pensa em lucrar,
Morto e industrializado
Como carne de jabá.
VII
Eu quero ver um chinês,
Da dinastia chumbregue,
Temperar uma feijoada
Com uma pimenta sossegue
E um paio de metro e meio
Da calabresa do jegue.
VII
Pois, em nome do jumento,
Deixo ao povo esse sinal:
Quem trabalha a vida toda,
Na labuta desigual,
Tenha comida na mesa
E viva com a certeza
De nunca mais passar mal.
VIII
Que toda a força do jegue
Se transfira pro mais fraco,
Que vive de espinha quebrada
Se afundando no buraco
E se enche de gratidão
Quando ganha uma refeição
E uma telha pro barraco.
IX
Deixo o rabo do jumento
Para toda hipocrisia,
As mentiras deslavadas
Que ouço no dia a dia,
Quando a vida só piora
E a promessa de melhora
Vem de esmola numa bacia.
X
Deixo o coice com as duas patas
Para toda exploração
De quem paga cesta básica
E tem lucro de R$ 1 bilhão,
Camuflando o capital
No paraíso fiscal
Do verdadeiro ladrão.
XI
E por fim eu vou deixar,
Enterrada na areia,
A parte mais delicada,
Que o povo chama de peia,
Para açoitar por detrás
O político ladravaz
Que põe dinheiro na meia.