A estrada sem fronteira
Uma estrada sem fronteira
Foi a que eu escolhi
Por não ter eira nem beira
Tudo que tinha eu perdi
Coloquei numa algibeira
O pouco que consegui.
Minha vida eu comandei
Como um fraco general
Tudo aquilo que ganhei
Eu gastei fazendo o mal
O meu tempo eu empreguei
Em roleta e bacanal.
Fui austero cobrador
Exigia o que era meu
Castigava o devedor
E tomava o que era seu
Alegrava em ver a dor
Sofrer não me comoveu.
Fiz fortuna em armazém
Comprei terra sem pagar
Tirei tudo de alguém
Que queria conversar
Nunca perdoei ninguém
Meu desejo era enricar.
Fui pra porta da escola
Para ver quem estudava
Pra menina vendi cola
Prometendo que passava
Pro menino vendi bola
Dizendo que bem jogava.
Nas capelas da cidade
Eu vendi a esperança
Prometi felicidade
Em troca de abastança
Nunca dei facilidade
Mantive pobre à distância.
Fui guerreiro em vadiagem
Um profeta sem estudo
Pratiquei a malandragem
Dizendo conhecer tudo
Meu discurso era bobagem
O falar de um abelhudo.
Pantomima era a virtude
Que eu mais apreciava
Praticando, eu, amiúde
Dela muito aproveitava
Falando de modo rude
A todos amedrontava.
Ia assim sobrevivendo
Abusando da palavra
A ninguém obedecendo
Da mulher fazendo escrava
Ela sempre o bem fazendo
Por isso me suportava.
Muitas vezes fiz chorar
A família que odiava
Não ficava no meu lar
E também não trabalhava
Minha vida era jogar
Pra casa nada levava.
Certa noite eu esperava
A mulher na minha cama
Percebi que demorava
E pensei nalguma trama
Vi então que me olhava
Com olhar de uma dama.
Perguntou o que eu faria
Vendo o meu lar destruído
Perguntou se eu sabia
Que estava demitido
Fosse em busca da orgia
Que alegra o pervertido.
Comecei tomar juízo
Mas não fui muito exemplar
Só falava em prejuízo
Pra ninguém me procurar
Quando então veio o aviso
De você vou separar.
Eu fiquei atordoado
Com aquilo que ouvia
Não estava acostumado
Ela sempre obedecia
Me senti desafiado
Eu falei que a mataria.
Nesse dia eu claudiquei
Disse que a enganava
Mas a ela eu sempre amei
Isso eu não esperava
Todo mal que eu causei
Perguntei se perdoava.
Ela disse: vou embora
Não quero magoar você
Sei que errou e saiba agora
De você quero esquecer
Para mim chegou a hora
De não mais aparecer.
Ela assim continuou
Você é mesmo um boçal
Eu agora aqui estou
Mas para não fazer mal
Você sempre ignorou
E queria o meu final.
O tempo foi o remédio
Pra curar anomalia
Ele retirou o tédio
Que havia na família
Demonstrou o ponto médio
Onde acaba a ‘mais valia’.
Você é despreparado
Pra seguir sua missão
Da família é separado
Não tem lar nem profissão
Pra você será mostrado
Como implorar perdão.