CORAÇÃO DE ESPINHO.
Não dou adeus a ninguém
Nem digo que vou partir
E não aceno também
Para quem quer desistir
Não trago a dor da saudade
Porque tenho na idade
Amores já esquecidos
Por isso eu não padeço
Faço força e esqueço
De tantos beijos perdidos.
Não choro a separação
Não lamento a distância
Se um dia tive paixão
Hoje não dou importância
Não pergunto onde está
Porque daqui para lá
Há um abismo profundo
Por isso que não lamento
Se existe sentimento
deve tá em outro mundo.
As mágoas, os desenganos
Deixei tudo enterrado
Joguei cal sobre os anos
Taquei fogo no passado
Apaguei minha história
E arranquei da memória
Os afagos do sereno
Rabisquei tudo num lance
E os prazeres do ramance
Cobri tudo com veneno.
Dane-se as serenatas
Cantadas sob as janelas
E as cartas perfumadas
Escrita para as donzelas
Eu escrevi tudo em vão
Com apena da paixão
Assinei a minha pena
Escrevendo o incerto
Agora vivo liberto
Do amor que só condena.
Não pronuncio seu nome
Nem guardo o seu retrato
Prefiro morrer de fome
Ou viver feito um rato
Num esgoto sem abrigo
Prefiro ser um mendigo
Há procura de um pão
Ser cuspido e humilhado
E ter o corpo chagado
Há lhe dá o meu perdão.
Não tenho mas a viola
Nem as rimas inspiradas
Estou livre das argolas
E das cordas dedilhadas
Não canto de improviso
E corto se for preciso
Meus punhos só por rancor
Vou viver dentro do mangue
Deixando correr meu sangue
Na lama podre do amor.
Não planto nem colho flores
Não demoro em queixumes
Pois a essência das dores
É o pior dos perfumes
Não sou feito o colibri
Que vendo a flor se abrir
Voa em busca do seu mel
Talvez rosas e crisantos
Sejam a causa dos prantos
Ocultando rude fel.
A noite dou o meu sono
A chuva os meus telhados
A lua dou o abandono
Porque é dos namorados
Com sua gema de prata
Iluminou a ingrata
A dona da minha rua
Se eu pudesse voava
E com a faca furava
O bucho branco da lua.
Não conto data nem hora
Nem o mes nem a semana
Meto força na espora
Em quem mente e engana
Não monto e não dou trégua
No lombo de uma égua
Que morde e me dá coice
Tô longe do seu cercado
E do seu amor malvado
Como a morte com a foice.
Daqui pra frente serei raso
Nunca mais vou transbordar
Meu coração é um vaso
Sem areia para plantar
Eu estou esturricado
Feito um solo rachado
Que não serve pra caminhos
Ando fraco, pobre e nu
Sou hoje um mandacaru
Do coração de espinhos.