TRIBUTO À NATUREZA

Por Gecílio Souza

Mais do que um grande livro

Que nos ensina de graça

Uma espécie de biblioteca

Exposta na cósmica praça

É a physis mãe natureza

Que a todos os seres abraça

Genitora, médica e pedagoga

Imune à humana trapaça

Legisladora e magistrada

Às leis estranhas rechaça

Decide a vida e a morte

De qualquer espécie ou raça

Amamenta, cuida e pune

Com o imponderável se enlaça

A existência ela escolhe

E nela a vida se recolhe

Como inefável fumaça

O caminho é ela que traça

Nenhum sábio o reverte

Fixar o espaço e o tempo

Somente a ela compete

Impõe finitude à matéria

Seja a dinâmica ou a inerte

Suas leis são implacáveis

E o mundo lhe submete

Sobre as quais a filosofia

Questiona, analisa e reflete

O mito tentou explica-las

Lhe faltaram lógica e teste

E a professora natureza

Pelos fenômenos adverte

A quem ousa lhe ofender

Vai viver menos e sofrer

Com seca, calor e peste

O cíclico fluxo se repete

Com natural regularidade

Possibilitando à ciência

Avanço e previsibilidade

A natureza prevalece

Com a sua autoridade

Desde os tempos recuados

Encanta até a divindade

Bios, thânatos e éros

Esta mitológica trindade

Os filósofos pré socráticos

Com admirável acuidade

Debruçaram-se sobre a physis

Movidos pela curiosidade

Investigaram a arkhé (origem = princípio)

De tudo que existe e É

Surge a racionalidade

Com sábia propriedade

Heráclito chegou a dizer

Que há mistérios na physis

Ela ‘ama se esconder”

Daí nasce o mobilismo

A instabilidade do ser

Somente a filosofia

Pode a essência conhecer

Cabendo ao saber científico

A aparência esclarecer

O fogo é raiz de tudo

E a tudo faz mover

Bela metáfora do logos

Desabrochar do saber

Physis e logos em discussão

Natureza versos razão

De onde a lógica foi nascer

É de se surpreender

Com o império da natureza

Tudo é insignificante

Em face de sua alteza

Paradoxalmente se revela

Na pavorosa beleza

Consonância e contrastes

Compõem a sua realeza

A neve cobre a montanha

Fragilidade e dureza

O lago imóvel e sereno

Bela e hídrica singeleza

O mar, os rios e os córregos

De intensa correnteza

Morros, picos e serra

Vulcões no interior da Terra

Reptam a humana fraqueza

Resta portanto a certeza

Do fisiocrático magistério

Enquanto os homens brincam

A natureza leva a sério

Nossa genitora comum

Possui seu próprio critério

Não há existência física

Que fuja do seu império

Suas grandes características

São a força e o mistério

E ela é ao mesmo tempo

Berçário e cemitério

Não emite escritura

Certidão nem batistério

Dela então ninguém é dono

Ela é a rainha no trono

Num tirânico ministério

O jardim e o necrotério

Na physis estão presentes

A superfície do planeta

É variedade de ambientes

Selvas, campos e desertos

Águas frias e águas quentes

Salgadas, doces e potáveis

Pardas, turvas, transparentes

Glaciares e dunas de areia

Sob leis gerais equivalentes

Seres vivos irracionais

E animais inteligentes

Do ponto de vista natural

Todas os seres são parentes

No alto duas luminárias

Reluzem em fases contrárias

Nos períodos intermitentes

Toda espécie de viventes

Ela as recolhe em seu seio

Entre o começo e o fim

Há o sofrimento no meio

Cada espécie uma função

Mesmo sem saber a que veio

A morte nivela a todas

Dela todas têm receio

A reprodução perpetua

Mas a morte é um bloqueio

Perante ela há o temor

Perante a vida há o anseio

O homem aqui se encontra

Para um brevíssimo passeio

Tudo é passageiro e breve

A mão do tempo não é leve

Ele é implacável e alheio

Na physis não há sorteio

Há leis severas e estáveis

Compõe-se de espaços inóspitos

E de ambientes habitáveis

Seres fortes e resistentes

Vidas frágeis e vulneráveis

Espécies hostis e violentas

Outras dóceis e sociáveis

Contradições e extremos

São fatos irrefutáveis

Na lógica da lei natural

As sentenças são imutáveis

A própria natureza impõe

Tragédias ou fatos agradáveis

No que concerne aos humanos

Quem vive mais de cem anos

Tem privilégios razoáveis

Temíveis e admiráveis

São os ditames naturais

A existência curta e a longa

São efêmeras e temporais

Perante o relógio do tempo

Vivemos alguns decimais

Somos grãozinhos arrogantes

Os mais miseráveis mortais

Desafiando a mãe comum

Como se fôssemos os tais

E ela então retribui

Com fenômenos transversais

É uma mãe que não perdoa

As agressões filiais

É nula a humana esperteza

No tribunal da natureza

Todos os seres são iguais

Oiliceg
Enviado por Oiliceg em 18/06/2018
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