O SONHO

Se você é corajoso e o desconhecido não lhe faz tremer

Ouça com atenção esta história que começo a descrever.

Não falo com vaidade ou pra você ficar sentido

Mas acredite no que eu digo, pois é tudo fato cumprido

Se tiver medo se retire, pois não quero ninguém gritando

Pedindo ajuda, soluçando, dizendo que tá se molhando

Vou começar falando do dia assombroso do acontecido

Que me trouxe tanta agonia, terror e muito gemido

Cuidado! Pois essas visões só aparecem no breu da noite

Ficando o corpo abatido parecido com um açoite

O deixando todo marcado, flagelado e descoberto

A penúria de uma vida que se esvai sem lugar certo

Pois bem...!

Na estrada por onde andava, nenhuma alma vi presente

Pois sozinho ali estava, distante do mundo e ausente

O vento cantava esquisito, parecendo chamar por alguém

Era um aviso, uma chamada sinistra que vinha lá do além

De repente, um calafrio subiu pela espinha ao ouvir a sinfonia

Que o vento cantava mais alto e o gemido agourento subia

Então pensei!

Que noite macabra será esta e o que me falta acontecer?

Para completar as pernas ficaram duras sem poder mais se mexer

O pavor que então senti, subiu pro o meu cabelo arrumado,

Que depois disso ficou em pé, molambento e ouriçado.

Que é isso que vejo? Uma mula aos tropéis, correndo sem direção

Será a que dizem não ter cabeça que vem fazer danação?

O medo virou pavor! As pernas antes paradas, agora com comichão

Corriam ligeiras, os pés batiam na bunda e o nariz cheirava o chão

Mas, essa mula pra me pegar vai ter que mais fogo cuspir

Pois o medo me pegou e sem esperar por nada, o jeito foi partir

Da mula que vi surgir outro animal se formou; uma cobra luminosa

Riscando o ar se apresentou numa serpente manhosa

Desse ser cruel e voraz, que consome tudo sem desconto

Só me restou uma saída que era fugir desse confronto

Não fiquei ali parado, mas olhando de través eu percebi

Do bicho vermelho que chiava, um uivo agora eu ouvi.

Valei-me! O que é isso? Que tanto bicho medonho

Vindo sei lá de onde, pesadelo, terrível sonho.

E o bicho feito cachorro, o meu rastro já cheirava

E quanto mais eu corria, mas o danado rosnava

E corria ora de quatro, ora de pé ele corria

Com uma fúria descomunal, latia, uivava, latia

Com esse bicho infernal agora vou me acabar

Pois não vejo mais saída que possa assim me livrar

Pois é o bicho lobisomem que agora vem me morder

E vou virar outro também, pois é esse o proceder

De repente uma risada, pela noite escura se ouviu

Uma coisa de cabelo e rabo grande, do mato assim surgiu

E com a boca cheia de dente, se abrindo pro meu lado

Era a Cuca que dizia: te pego cabra danado

A risada desse bicho mais parecendo a rasga-mortalha

Que petrifica de pavor e deixa a calça molhada

Tentei correr mais rápido, mas um redemoinho me atrapalhou

E a risada de um moleque do meio dele ecoou!

Zombando de mim ele gritava, a sua galhofa sem fim.

Pega ele prima, pega ele prima! Repetiu nesse ínterim.

Era o Saci que veio participar da festa que acontecia

E cheio de traquinagem me atrapalhava a correria

Para que a famigerada Cuca sem piedade me pegasse

E com o bafo de boca o meu pescoço esquentasse

E agora, o que vai acontecer? Bicho danado, maldição!

Estou quase morrendo, sem folego, já desabo neste chão

Avistei uma ponte na frente e um rio que embaixo corria

É minha salvação, pensei! Pois na água me esconderia.

A sorte ficou do meu lado e na margem os bichos pararam.

E deles fui escapando, olhando aliviado onde que eles ficaram

Pois bichos mais feios que estes, só mesmo num devaneio

Para fazer o cabra pular igual cego num tiroteio.

E assim escapei, boiando, descendo o rio sozinho

Sem perceber que atrás mim outro estava bem pertinho

E me cercou uma flor singela, delicada e formosa

E em seus braços me tomou, mas ela era perigosa

Então reparei, que esse mavioso e belo exemplar feminino

Pro fundo do rio queria me levar aquele olhar angelino

Era a Iara, que transformada em donzela, pretendia me afogar

Mas, tão encantado eu fiquei que nem quis me importar

Com os cabelos negros, os olhos esverdeados e a boca de carmim

Senti-me na mesma hora apaixonado, pois ela sorria para mim.

Mas tudo então mudou! Seu rosto transformado, logo se fez surgir

A sua intenção era matar-me, e como fiz aos outros, tratei foi de fugir

Agitei-me para um lado, para o outro, mas seus braços me prendiam

E com seus dentes em meu pescoço, minhas esperanças se esvaiam

É o meu fim, imaginei! E sem resistência, os meus olhos fui fechando.

Pois não sobrou força alguma em mim pra continuar assim lutando

Então...! Sabe de uma coisa que reparei?

Que tudo isso era um sonho e em minha cama acordei.

Quinho Barreto
Enviado por Quinho Barreto em 21/03/2018
Código do texto: T6286393
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.