SAUDADES DO SERTÃO
Rir quem sente alegria,
chora quem tem saudades,
lamenta quem já perdeu
um amor de verdade,
sonha quem inda lembra
das coisas da tenra idade.
Todos os tons de cores
cheiros e sons matutinos
do tempo vago e distante
de quando eu era menino
estão cá na memória
como canto em surdino:
A noite devagarinho
estendendo o seu manto,
a obscura coruja,
o seu temível canto
espalhando tristeza
como um triste acalanto.
O rústico cazebre
e sua singeleza:
o velho candeeiro,
a lamparina acesa,
desafiando as trevas
lá de cima da mesa.
A lua cheia sorrindo
no meio da madrugada,
o galo atorduado
cantando na alvorada,
o cachorro magrelo
latindo ali por nada.
As manhãs infindas
à sombra da mangueira
brincando de atirar
pedras de baladeira,
de pular, correr
E outras mil brincadeiras.
O bule prateado
cheinho de café,
beiju de mandioca,
farinha na cuité,
o carinho da mãe,
o afago e o cafuné.
O velho rádio a pilha
tocando uma canção,
o gatinho miando
querendo só atenção
papai fazendo um cesto
mamãe ao pé do fogão.
As duas bilhas d’água
em cima da bilheira,
a aranha tecendo
A tarde inteira
uma teia sem fim
no alto da cumeeira.
O riacho sereno
límpido, transparente
correndo em silêncio,
lento, tão calmamente,
contornando as pedras
Feito uma serpente.
O caminho de areia,
a antiga cancela,
a casa ao pé do morro
tão pobre e singela
exibindo margaridas
Em suas janelas.
A vida no roçado,
aquela vida dura:
poeira de carvão,
cinsa sol e secura.
feito casca de coco,
igual a rapadura.
O céu azul e prateado
sob a imensidão
capim seco e palmeira
cobrindo o árido chão,
como se fosse hoje
ainda lembro do sertão.