O VALENTÃO E O MAGO EM BRIGA DE VAIDADE

Meu compadre Mané Bento

Primo de Joca Tampinha

Filho de Juca Peixoto

Que é casado com Carminha

Morador de Labirinto

Lá pras bandas de Passinha

Certo dia na cidade

Por força da valentia

Resolveu por conta própria

Bater em Pedro de Bia

Por causa desta briga

Quase perde a freguesia

Vendedor de fumo bom

Era o dito conhecido

Nunca levantou o dedo

Dizia assim Aparecido

Mas desta vez aconteceu

Com Pedro de Bia atrevido

Pedro já tinha matado

Pra mais de cem no interior

Aparecido quase que morre

Depois de uma grande dor

De um tapa de Pedro de Bia

Que o olho de lugar trocou

Labirinto era um engenho

De cana de açúcar de qualidade

Joca Tampinha era o dono

E não gostava de falsidade

Quando soube da notícia

Quase perde a identidade

Chamou o primo e foi dizendo

Que dali logo fugisse

Não gostava de encrenca

E via na frente a maluquice

O primo Mané Bento

Usou foi de criancice

Juca Peixoto era o feitor

E não gostou do que ouviu

Teve um medo tão grande

Que a fala escapuliu

Enquanto isso na cidade

Pedro de Bia pra longe partiu.

Mané Bento vaidoso

Tinha fumo de montão

Baixou o preço na hora

E foi chamado de valentão

Venceu a briga em plena feira

Com vaidade e satisfação

Dona Carminha quando soube

Do fato por mim contado

Perdeu a voz de tanto assombro

Por medo do filho amado

Depois chorou durante um mês

Era o marido hospitalizado

Juca Tampinha tinha medo

E não queria transparecer

Visitando Juca Peixoto

A carne começou tremer

Chorava do lado do tio

E nada queria entender

No Barracão de Mané Bento

Era grande a fuleragem

O velho Beto Chiquito

Que gostava de pabulagem

Inventava mais história

E deixava uma mensagem

Era abrir o olho do povo

Pra não haver covardia

Pois Pedro de Bia era covarde

E toda vez que a luta perdia

Não queria falar do assunto

E pra longe o bicho fugia

Mané Bento ouvia tudo

E dava seu parecer

Falava que ganhou a luta

E ele fez por merecer

Nunca mais o Labirinto

O bandido ia tremer

A alegria era tanta

Que caloteiro não pagava

Dividas eram perdoadas

E Mané Bento inda deixava

O fiado foi crescendo

E o dinheiro pouco restava

Na saída do hospital

Com o sobrinho do seu lado

Foram encontrar com Mané Bento

E dizer pra ter cuidado

O cabra tinha fugido

Mas logo era esperado

Não contasse a vitória

Antes do tempo prometido

Pedro de Bia estava aprontando

E depois vinha o acontecido

O medo de Juca Peixoto

Era este fato escondido

Mané Bento nem ligava

Na fala do velho pai

Pouco importa ele dizia

Daqui hoje ninguém sai

A fama do vendedor

Mais tarde ela cai

Toda semana ele ia

Na feira fumo comprar

Quando chegava à cidade

Haja gente se lembrar

Da grande briga que teve

E era história pra contar

Uma tal de Josefina

Irmã segunda de Barra Funda

Falou até de uma dedada

Que levou no ôi da bunda

Desse tal Pedro de Bia

Numa tarde de segunda

Falou disso e chorou

E gostou do que ela viu

Mané Bento dá uma surra

No filho de José Biu

Que o peste foi-se embora

Pra longe e ninguém viu

Já o fazendeiro Augusto

Queria tudo saber

Fazia pergunta ao povo

E não conseguia entender

Como aquele frangote

Fez Mané Bento perder

Dona Carminha tremia

E seu velho consolava

Sofria calada no canto

Um medo que lhe atormentava

Um coração de mãe sofre

E pra chorar se ausentava

O dono de Labirinto

O engenho botou à venda

Com medo de represália

E que ele não se arrependa

Dizia o primo Juca

E que ele não se arrependa

Se arrepender de que?

Dizia o Mané Bento

Quem fugiu foi o cabra

Depois do sofrimento

Ele que se cuide

Era este o discernimento

Ninguém ouvia falar

Do tal Pedro de Bia

Pra onde tinha ido

E se voltava algum dia

Era conforto pra todos

E motivo de alegria

Ninguém apareceu pra comprar

As terras de Labirinto

Se não me engano o juízo

Apenas Lourival Roberto Pinto

Deu uma proposta tão baixa

Que Juca ficou no recinto

Ninguém tinha dinheiro

Para aquele engenho comprar

Não aparecia um Cristão

Que pudesse lhe ofertar

Uma proposta pra lá de boa

E na terra quisesse ficar

O jeito foi esperar

O que pudesse acontecer

Viver assim com medo

Era tamanho o sofrer

Por causa de uma encrenca

Que o primo foi meter

Mané Bento ainda por cima

Era teimoso de dar dó

Vivia contando história

Que nunca levou a pior

A surra dada em Pedro

Não achava ser a melhor

Falava de outras lutas

Que o bicho participou

Todas elas vitorioso

E assim ele contou:

- Já briguei com mais de cem

Não fiquei nunca com dor

Dei rasteira no Diabo Quenga

E no peste Toucinho de Vaca

Antes de vir pra Labirinto

Destrui o Fragoso Paca

Dei lapada em Cu de Grude

Fiz correr Toinho da Jaca

E se vocês querem saber

Isso foi pouco pra mim

Raspei o sovaco de China

E lasquei o dente de Padim

Fiz os dois comerem o trazeiro

Do jumento de Seu Inacim

O povo fazia fila

E Mané Bento vaidoso

Além dessas histórias

Contava outras de pabuloso

O primo quando chegava

Se tornava silencioso

Pedro de Bia já tinha matado

Muita gente pelo sertão

Como tinha acontecido

Naquela singela ocasião

Perder pro mago Mané Bento

Ninguém acreditava não

A velha Maria Fulô

Vendedora de tomate

Botava lenha na fogueira

E lembrava Chico Alicate

Que morreu de um soco

Depois de um combate

O muro que Pedro deu

Foi direto no poderoso

Coitado do Chico

Morreu foi desgostoso

O ovo de cada lado

Ficou mais que horroroso

A pancada foi tanta

Que o bicho mudou de lugar

Não teve como viver

Nem aqui, nem acolá

O melhor foi ele morrer

E no inferno se lamentar

Do outro lado da feira

Seu Antônio fogueteiro

Um senhor respeitador

Se lembrava de um forasteiro

Que levou um bofetão

Foi direto pra Oitizeiro

Como com isto tudo

Podia Pedro de Bia fugir

Só era voltar e acertar as contas

E depois quem saber partir

Mas primeiro preferiu

Tão cedo escapulir

De repente o alvoroço

Corre gente pela feira

Voltou Pedro de Bia

E agora tinha uma peixeira

Coitado do Mané Bento

Deixar desta besteira

De andar falando dos outros

Sem saber qual o destino

Berrava cabras e bodes

Na paróquia batia o sino

A peixeira do bandido

Foi herança de Balbino

Balbino foi cangaceiro

Das tropas de Corisco

Depois fazedor de faca

Nas terras de Zé Francisco

Hoje era o protetor

Daquele sujeito arisco

O cabra veio de preto

Como Zorro ele vestia

O mago Mané Bento

Nem a pestana mexia

Não esperava nunca

A volta de Pedro de Bia

Pedro de Bia voltava

Com Balbino do seu lado

Os dois pesavam muito

Como capanga contratado

Saíram procurando Mané

E ai dele se fosse achado

Foi direto ao engenho

Na mesa uma oferta botou

O preço que Juca deu

A quantia o cabra dobrou

E lá os dois ficaram

E Mané Bento nada notou

Entrou na venda de fumo

Não viu ninguém no lugar

Ficou desconfiado

Mas foi logo procurar

Havia tanto silêncio

Que começou desconfiar

De repente a lamparina

Acabou a iluminação

O escuro naquele dia

Foi pior que inflação

O chiado tomou conta

Daquela ocasião

Mané Bento não entendeu

O que estava acontecendo

Passos pela casa

Seu coração logo sofrendo

Balbino que era gordo

O chão foi se tremendo

A voz de Mané Bento

Ficou presa na garganta

Não conseguia dizer nada

E tinha fome de janta

No escuro da noite

Um vulto estranho levanta

Com a voz do outro mundo

A dupla logo aprontou

Partiram pra cima do mago

Mas uma rasteira ficou

Gritavam feito demônio

Mas Mané Bento não se assustou

Logo percebeu a coisa

Da vingança do derrotado

Deu uma volta no escuro

E meteu o dedo no fresado

Gritava o velho Balbino

No chão o corpo estirado

Mané Bento sabedor

Da coisa que ali estava

Zombou com voz de morto

E Balbino no chão gritava

- Me livra Mané Bento

Não sou que aqui estava

Pedro de Bia bandido

Querendo a luta vencer

Acendeu a lamparina

E com peixeira começou bater

Mané pulava feito macaco

E sem faca ia sofrer

Balbino pediu por tudo

Que dali fossem embora

Mas o danado do Pedro

Era galo ruim de espora

Não ia deixar o engenho

Que era dele agora

Mané Bento propôs acordo

E Pedro nada aceitou

Queria matar mais um

E um duelo desafiou

Balbino deu uma carreira

E do engenho desabou

A dupla que lá ficou

Um somente ficaria

Quem vencesse o duelo

Muito dinheiro teria

O acordo foi fechado

E a luta acontecia

A faca foi esquecida

Somente o braço tinha valor

Mané Bento deu um soco

Que o nariz do bicho estufou

Pedro de Bia de tanta raiva

A orelha do cabra arrancou

O braço de Mané Bento

Pequeno e bem certeiro

Acertou o dente de Pedro

Era sangue e mal cheiro

Na cidade aumentava mais

As conversas de fofoqueiro

Alecrim do velho Pimba

Casado com Mãe Candinha

Quis saber onde estava

A família de Carminha

Contaria tudo â mãe

E escreveu logo uma cartinha

Mendonça lá da serra

Que vende fumo também

Criou um sindicato

Dos valentes do além

Dizia que tinha morrido

Pro povo dizer amém

No engenho a cara

Que o bem que Deus nos deu

Não tinha nada perfeito

No outro o outro bateu

Tudo modificado

A medicina se entristeceu

A bunda de Mané Bento

No estômago ficou morando

A boca de Pedro de Bia

Sem dente foi se acostumando

O olho de cada um

Ia aos poucos se fechando

Cada mãozada de Mané Bento

Na testa tome defeito

Coitado do valente Pedro

Vencer o mago não tinha jeito

Quando tentava dar um golpe

O dedo virava rejeito

Os dois cambaleando

Não quiseram se entregar

Lutaram até o fim

E ninguém soube explicar

No leito derradeiro

Foi difícil terminar

Cada um com sua história

Não há razão pra tal assunto

Lado a lado na sala

Por cima do outro o defunto

Hoje moram na cidade

Por nome Pé Junto

Cada gente de Labirinto

Não quer mais levar vantagem

O engenho não é mais o mesmo

Ficou somente a imagem

De uma luta sem sentido

Que mudou toda a paisagem

De uma terra que tinha tudo

Onde a harmonia sempre reinou

Agora é um mistério

Lá tudo que se plantou

O tempo destruiu tudo

Uma só árvore não ficou

O diabo venceu a luta

A dupla saiu perdendo

A briga não leva a nada

É como vem acontecendo

A desordem no social

Deixa o bem se escondendo

Juca Peixoto e Carminha

Na cova do filho amado

Choram a despedida

De um tempo que foi passado

Mané Bento tão pequeno

No engenho foi educado

Depois de grande virou herói

De bocas desqualificadas

Morreu por força da vaidade

Do boi valente das vaquejadas

Pedro de Bia era o demônio

Daquelas falas contadas.

F I M

João Pessoa-PB, 17 de fevereiro de 2018.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 18/02/2018
Reeditado em 12/10/2024
Código do texto: T6257801
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