O DESABAFO DO CAVALO
O desabafo do cavalo
Eu preciso de alguém
Eu preciso de atenção
Pra poder desabafar
Minha triste situação
Quem fui eu lá no passado
Hoje vivo desprezado
Feito folha morta ao chão
Quando eu era um garoto
Era muito cobiçado
Pela minha valentia
De correr atrás do gado
Hoje estou envelhecido
Cansado muito sofrido
Estou sendo maltratado
Fui bom nas cavalgadas
E também dentro do mato
O vaqueiro me esporava
Ele era muito ingrato
Eu corria feito um louco
Enfrentava pau e toco
Ligeiro feito um gato
Sempre fui um bonitão
Todo mundo me queria
Até que me ajeitavam
Por eu ter grande valia
Eram banhos e ração
Todos me passavam a mão
Cadê isso hoje em dia
Hoje me abandonaram
Vivo meio ao relento
Tiraram aquela baia
É grande o sofrimento
Passo sede passo fome
Pense que maldito home
Cadê o meu alimento
Tantas vezes eu ganhei
Grandes premiações
O meu dono ficou rico
Faturou vários milhões
Agora não valo nada
Sou um saco de pancada
Nem sou rei dos campeões
Fui jogado na sarjeta
Lá dentro do isolado
Minha fama se acabou
Não sou, mas recompensado.
Ao invés de agradecer
Ele me deixa sofrer
Num cercado bem pelado
Eu não sei por que razão
A vida é desse jeito
Basta nós envelhecer
Pra perder o tal respeito
Era pra valorizar
Era pra muito zelar
E deixar nós satisfeito
Se pudesse regressar
Eu seria diferente
Nunca aceitava a sela
Era desobediente
Eu agia feito o home
Que usa e depois some
Fazendo o mal a gente
Eu quero lhe agradecer
Por você ter escutado
Você ajudou bastante
Esse cavalo cansado
Diga para o criador
Pra ele dar mais valor
A quem tem o sustentado
Não fale do meu remoço
Nem diga que eu chorei
Diga que tudo que tem
Fui mesmo eu quem lhe dei
Pergunte por que razão
Deixou-me na solidão
E onde foi que eu errei
Pois fale da faculdade
Do filho que é Doutor
Daquele carro de luxo
Bem bonito e de valor
Pergunte quem foi que deu
Eu quero ver se esqueceu
Do cavalo corredor
Fale da propriedade
Cheia de bem- feitoria
Do rebanho de ovelhas
E daquela vacaria
Dos uísques a tomar
Nas farras a farrear
Esbanjando só alegria
Quantas vezes me jogaram
Em cima dum caminhão
Saiam de madrugada
Pra correr competição
Agora esqueceu de mim
Só por que estou assim
Não me valoriza não
Gostava de me expor
Na frente dos camaradas
Ficava cheio de poses
Eram risos e risadas
Mostrava os seus troféus
Sentindo-se lá nos céus
Era o rei das vaquejadas
Não estranhe o meu lamento
Entenda-me, por favor,
É porque a solidão
Deixou-me cheio de dor
Fico assim alucinado
Parecendo endoidado
Sem ter vida e sem valor
Estou parecendo louco
Na beira dessa lagoa
Olhando pro meu reflexo
E falando coisa à toa
Vejo no espelho d’água
Meu olhar cheio de mágoa
Feito chuva de garoa
É duro, mas é real.
A minha realidade
Tanto bem fiz no passado
Pra hoje ganhar maldade
Às vezes chego a pensar
Que estou mesmo a sonhar
Que é tudo inverdade
Eu gostaria de saber
Porque sou tão maltratado
Me diga por que o velho
Sempre é escanteado
Depois que trabalha tanto
É jogado lá no canto
Feito lixo descartado
Aonde é que já se viu
Quem dera fosse verdade
Um humano me escutar
E ouvir minha vontade
Eu estou é viajando
Gagá já caducando
São sintomas da idade
Dessa vez tô viajando
Dentro dá imaginação
Cavalo falar com gente
Nunca tinha visto não
Vejo gente até falar
Mas não vejo perguntar
Qual a nossa precisão
Fui cavalo de prestigio
E famoso na região
Só me resta a saudade
Dos tempos de campeão
Hoje só resta a historia
Daqueles tempos de gloria
Deste cavalo alazão
O tempo passa ligeiro
E a gente envelhece
Cavalos, vacas e bois.
E o home nos esquece
Era pra dar proteção
A todo velho ancião
Mas acham que não merece
Já chega desta agonia
Deu pra eu desabafar
Falei comigo mesmo
Lamentando o meu penar
Vou ficar aqui calado
Sou cavalo rejeitado
Tenho mesmo que calar.
Diosmam Avelino- 27-09-2014
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