O CELULAR
Por Gecílio Souza
O homem é um ser inventivo
Nasceu com o dom de criar
Para o bem ou para o mal
Algo ele tem que inventar
Mesmo que as suas crias
Possam trabalho lhe dar
Os avanços tecnológicos
Estão aí para confirmar
Que nem sempre o inventor
Consegue a invenção controlar
De todas as estripulias
Que eu pude constatar
Não é a mais retumbante
Nem ocupa o primeiro lugar
Mas é algo extraordinário
Capaz de impressionar
É um aparelho burlesco
Cujo nome é celular
Sua extensa genealogia
Parece ali se encerrar
Ocorre que ele exprime
Um método de dominar
As mentes e as consciências
De quem detesta pensar
Interfere na cultura
Alterando o linguajar
Desdenha a erudição
E superestima o vulgar
Confunde banalidades
Com expressão popular
Revogou-se a gramática
Para poder justificar
O analfabetismo formal
Que tende e se perpetuar
Inverteu-se os papéis
É quase proibido questionar
Quem sabe virou aprendiz
Quem não sabe quer ensinar
O correto emprego dos termos
Não se quer mais aceitar
Banalizou-se o idioma
Não precisa pronunciar
Corretamente as palavras
Pois a ordem é digitar
O suplício para quem lê
É ter que adivinhar
Um sarapatel de letras
Só o diabo para decifrar
Siglas e abreviações
De difícil soletrar
Deturpou-se de uma vez
O sentido do “ se comunicar”
Os termos mais recorrentes
São desbloquear/bloquear
Instagram e WhatsApp
Wi-Fi e adicionar
Twitter e Facebook
Vídeos, fotos e “gravar”
Tudo agora é online
Nada fica sem postar
Mas o diálogo informal
Não se sabe onde foi parar
Ofendem a boa escrita
Está na moda abreviar
Recebe-se textos e vídeos
E clica-se no “reenviar”
Do jeito que a coisa anda
Dicionário vai se aposentar
Banalizou-se a linguagem
A onda agora é improvisar
Professor de português
Só serve para atrapalhar
O corretor se tornou mestre
É perda de tempo estudar
As palavras estão prontas
Basta uma tecla acionar
Pouco importa se os termos
Estejam fora do lugar
Frases estranhas ao contexto
Sem nada significar
Atropela-se o vernáculo
Com erros de se assustar
Não se aceita correção
Parece ser bom errar
Defeito é escrever certo
Que o idioma vá se lascar!
Sobre os temas mais complexos
Todo mundo quer opinar
Sem base e sem argumentos
Limita-se a ridicularizar
Vírus, áudios e emoticons
A febre é compartilhar
Perde-se um tempo danado
A mentir e fofocar
Sente-se alívio e prazer
Fazendo a intriga viralizar
De tudo que se vê tira fotos
Em todo grupo quer entrar
Tudo que se vê reenvia
Sem ninguém solicitar
Tolices e futilidades
Congestionam o ar
No trânsito se tornou comum
Motorista dirigir e teclar
Abre crises em casamento
Ficou difícil namorar
Expõe-se a intimidade
De forma espetacular
Essa engenharia humana
Fácil de manusear
Criada e desenvolvida
Para os contatos acelerar
Resulta da capacidade
Que o homem de inovar
Mas de repente a criatura
Passa ao criador desafiar
Celular é um novo Deus
Que muitos estão a adorar
É a moderna idolatria
Por mais que se queira negar
Ele é um entorpecente
Com poder de viciar
É o senhor do momento
Com poder de escravizar
Idolatria tecnológica
Eficaz para alienar
Muita gente não consegue
Sem o aparelho ficar
Que cada coisa seja posta
Em seu devido lugar
Patrimônio móvel portátil
Prático e fácil de carregar
Por ele se fala pouco
Embora feito para se falar
Mas quando bem empregado
Serve para auxiliar
O processo educativo
A leitura, o pesquisar
Seu propósito original
Não conseguiu se prosperar
Vieram as redes sociais
Fazem o tempo “disparar”
“Anula”-se o mundo externo
E fixa-se num linguajar
Repleto de gírias e símbolos
Difíceis de se decifrar
Digita-se as iniciais
A onda é abreviar
Vc, kd, n, s
Para o destinatário advinhar
Com tantos aplicativos
O desafio é confiar
Receio-me de que em breve
Não poderei verbalizar
Porque não encontrarei
Com quem possa conversar
Me comunicarei com os livros
Que sabem dialogar.