Perdidos na noite
Eu caminho sem destino
Pelas ruas da cidade
Carregando o desatino
De querer facilidade
Tenho o sono vespertino
Vivo só, por caridade.
Perdido está o porteiro,
A polícia, o taxista,
o padeiro e o bombeiro,
Cobrador, o motorista,
Quem dormiu o dia inteiro,
O gari e o artista.
Catadores de papel
O sem teto e o garçom
O ator no seu papel
Músico fazendo o som
O soldado no quartel
Juventude no frisson.
A parteira lá na roça
Andarilho na estrada
Ermitão na sua choça
O cantor da madrugada
O poeta em sua fossa
A mãe que não dorme nada.
Médicos são, também perdidos
Entre as salas sufocantes
Receitam o que é prescrito
Para as dores lancinantes
Sempre ignoram o grito
De quem tem dores constantes.
O enfermeiro no hospital
Que está a vigiar
O doente que está mal
E não pode descuidar
Põe remédio no jirau
Mas não pode descansar.
A formiga que trabalha
A fera que sai à caça
O luar que nunca falha
Também quem dorme na praça
O sinal que atrapalha
Quem socorre a grande massa.
O perdido em uma noite
Não será mais esquecido
A insônia é o açoite
Que lhe faz ser conhecido
No seu lar não tem pernoite
Lá é um desconhecido.
Ele está sempre com sono
Porque não dorme direito
Tem pra si o abandono
Jamais foi um par perfeito
Mais parece um cão sem dono
Seu viver só tem defeito.
Para ele a noite é dia
Quem quiser que vá dormir
Apesar da alegria
Ele mal sabe sorrir
Vive em plena apostasia
Pouco tem no seu porvir.
Muita sombra em sua vida
Pouco sabe de prazer
Quando quer uma comida
Cozinheiro vai fazer
Sem dar a contrapartida
Nada faz acontecer.
Há também damas da noite
Que não sabem mais viver
Vendem o seu corpo à noite
Pra poder sobreviver
Seu trabalho é só à noite
Têm o dia pra sofrer.
Todavia existem vários
Que exercem o seu ofício
À noite pra ter salários
Geralmente em dois serviços
Sem descanso, não é raro,
Dormir no próprio serviço.
Um perdido pela noite
Foi capaz de dizer isso
Trabalhei durante a noite
Vigiar foi meu serviço
Tive o meu viver à noite
Mas não resisti ao vício.