A CORTADORA DE PICLES

Severino era casado

com uma mulher de babar,

cabra macho, cabra arretado

que vivia a se esfregar;

sempre pronto o bem fadado

dava duas sem esperar

Vivia lá pro Sertão

bem feliz com a mulher;

dinheiro, não tinha não,

fogo tinha de colher

Com amor no coração

dava sempre uma em pé

De dia bem trabalhava

na roça, no canavial

De noite bem vadiava

lá na cama ou no quintal

com Ritinha que nem cansava

mesmo tendo vendaval

Mas um dia veio a seca

daquelas brabas danada

que derruba qualquer cerca;

pra comer, não sobrou nada

Sua vida ficou peca

e se mandou pela estrada

Com a família, Severino,

no pau-de-arara embarcou;

Com a mulher e com o menino

logo em São Paulo chegou

em busca de um desatino

pronto um emprego encontrou

Na fábrica foi trabalhar

em troca de um salário

Trabalho simples, vulgar

que garantia o berçário

do novo filho a chegar

ou mesmo o relicário

para a Ritinha rezar

Lá cortava os vegetais

para manter em conserva

misturados com outros sais

que ficavam de reserva

e servia aos comensais

como o “Picles de Minerva”

Trabalhava numa equipe

com gente de todo o mundo

Nem tinha tempo pra gripe

bem ao lado do Raimundo,

nordestino de Sergipe,

de sentimento profundo

Na frente tinha a Florinda,

entre outras italianas,

“ragazza” mui bela e linda

com umas ancas bacanas

de mão ágil, leve e fina

ao descascar as bananas

Dinheiro, era uma doidera,

entrava assim de roldão

sem fazer uma besteira

comprava tudo na mão

Tinha forno, geladeira

tinha até televisão!

Mas chegava o feriado

ficava triste, enfadonho,

todo meio aporrinhado

não se pegava risonho

Ritinha o via arriado

com um semblante medonho

Pensava que estava zangado

com saudade do Sertão

onde suava o coitado

no quintal, na plantação

e quando chegava cansado

ainda tinha animação

Não ligava pro sol quente,

pro dinheiro que faltava

nem pra chuva tão carente

que no Sertão nem chegava

Lá não tinha dor de dente

de saudade não chorava

Mas aqui nesta cidade

com tanta coisa a fazer,

dizendo com honestidade,

não tinha tempo a perder

e até a castidade

sentiu e viu renascer

Num domingo já bem tarde

na rede, lá recostado

Severino com alarde

teve um sonho bem sonhado

— que meu Senhor livre e guarde

do que ali foi escutado!

Severino, sem razão

falava alto e sem beira

que trocava qualquer pão

por uma simples besteira,

pois sentia muita atração

pela bela cortadeira

Sem querer lhe acordar

Ritinha tudo escutava

e, ao bem se aproximar,

ouviu o que se passava

Severino a exclamar

tudo que ele sonhava

Pensando em faca afiada,

a mulher estremeceu,

já via a coisa cortada,

como num jornal que deu

que uma máquina danada

tosou o bem que Deus deu

No sonho de Severino

cheio de louca bobeira

repetia grosso e fino

que num ato de doidera

ainda enfiava o pino

na afiada cortadeira

— Te esconjuro, Severino,

que pensamento da peste! —

meu Padrinho, meu Deus Menino,

por que saímos do Nordeste! —

se ficar sem esse pino,

não fica nada que preste

No final do outro dia

Severino chegou cedo

explicar, bem, não sabia

como foi o arremedo

o emprego já não não havia,

já não era mais segredo

— Foi a tal da cortadeira?,

você enfiou o pino?

Deixa logo de tonteira,

conta assim o desatino...

Conta logo a baboseira

que me armou o tal destino.

Pensando que a mulher

falava da cortadora,

Severino sem dar fé,

com a voz constragendora

parecia um jacaré

querendo comer amora

Para Ritinha sofrendo,

querendo contar a lida,

Severino foi dizendo

com uma vergonha inchibida —

foi logo lhe respondendo:

— Ela também foi despedida.

[inspirado num texto de um Autor Desconhecido e posteriomente identificado como sendo de autoria do grande J.B. Xavier]