A estória da mulher emparedada
I
Seu Francisco era um senhor
Desprovido de vaidade
Um cidadão respeitado
Por todos lá na cidade
Um homem trabalhador
Solidário e servidor
Incapaz de uma maldade
II
A casa onde morava
Vivia cheia de gente
Sempre que chegava alguém
Ele vinha sorridente
E tratava o visitante
Sempre de forma galante
Fosse vizinho ou parente
III
Seu Francisco sempre foi
Um paizão pra garotada
Que todo dia à tardinha
Lotava sua calçada
Ele cheio de lorota
Ia contando anedota
Divertindo a molecada
IV
Ele morava sozinho
Pois a esposa o deixou
Fugindo com um palhaço
De um circo que lá chegou
O seu desgosto foi tanto
Que se isolou no seu canto
E nunca mais se casou
V
Toda a cidade sabia
Da traição de Tereza
Francisco nunca escondeu
Sempre falou com franqueza
Passou um tempo sofrendo
Aos poucos foi esquecendo
E superando a tristeza
VI
O quarto da sua casa
Onde com ela dormiu
Vivia sempre fechado
Depois que a mulher fugiu
Pra não ter lembrança dela
Lacrou por dentro a janela
Nunca mais a porta abriu
VII
Diante desse infortúnio
Que comoveu a cidade
Todos foram solidários
Lhe devotando amizade
Ele morava sozinho
Mas cercado de carinho
Tornou-se celebridade
VIII
Pra tudo que era evento
Seu Francisco era chamado
Testemunha em casamento
Padrinho em batizado
Paraninfo em formatura
Até pela prefeitura
Já fora homenageado
IX
Mas um dia de repente
A sua vida mudou
Chegou por lá uma moça
E ao delegado informou
Que Tereza não fugiu
Que Seu Francisco mentiu
Provavelmente a matou
X
Ela fez ao delegado
Denuncia bem consistente
Que a esposa de Francisco
Sua irmã e confidente
Só vivia amedrontada
Porque era ameaçada
Por ele frequentemente
XI
Ela disse que Tereza
Lhe contou que o casamento
Estava quase acabado
Que Francisco, ciumento
Não lhe dava liberdade
Nem de sair na cidade
E que era violento
XII
Tereza também contara
Que um dia apareceu
Um circo lá na cidade
E um palhaço conheceu
Um rapaz muito educado
Mas Francisco enciumado
Com ela se enfureceu
XIII
Disse que se sua irmã
Tivesse mesmo fugido
Não tinha nenhuma dúvida
De que teria sabido
Pois quando telefonava
Ela sempre lhe falava
Da relação com o marido
XIV
Ela tinha decidido
Pedir a separação
E ao contar ao marido
Essa sua decisão
Francisco se revoltou
Furioso ameaçou
De lhe trancar no porão
XV
Depois disso nunca mais
Notícia tinha sabido
Ao perguntar a Francisco
O que tinha acontecido
Ele fingiu sofrimento
E usou o argumento
Que ela tinha fugido
XVI
Foi então que o delegado
Resolveu investigar
E conseguiu um mandado
Para a casa revistar
Como sempre acontecia
Francisco com cortesia
Convidou ele a entrar
XVII
Revistaram quase tudo
E nada foi encontrado
Só faltava aquele quarto
Que só vivia fechado
Para que pudessem entrar
Seu Francisco foi buscar
A chave no quarto ao lado
XVIII
Esperaram dez minutos
E Francisco não voltou
Foi então que o delegado
Quando, enfim, desconfiou
Correu atrás do suspeito
Mas percebeu contrafeito
Que o sujeito se mandou
XIX
Enquanto os policiais
Saiam em perseguição
O delegado voltou
E botou a porta ao chão
O quarto todo arrumado
Só um pouco empoeirado
Não chamou sua atenção
XX
Examinou com cuidado
Nada anormal encontrou
Já estava de saída
Quando algo estranho notou
Na parede à sua frente
Um reboco diferente
Sua atenção despertou
XXI
Era uma parede falsa
Que quando foi derrubada
Revelou todo o mistério
E a mulher foi encontrada
Francisco a estrangulou
A seguir esquartejou
E escondeu embalsamada
XXII
Até hoje na cidade
Essa estória é comentada
Outrora desconhecida
Passou a ser visitada
Por causa da fama inglória
Ao se espalhar a estória
Da mulher emparedada