só entende o meu falar quem tem sangue sertanejo
LEIA LITERATURA DE CORDEL:
Só entende o meu falar
Quem tem sangue sertanejo
Já estou meio cansado
Mas ainda corro gado
De perneiras e gibão
Sou duro feito um coco
Nesse Brasil de caboco
De mãe preta e pai João
Botei roça plantei milho
Pra criar quatorze filho
Trabalhei feito um cão
Arei terra de arado
Trabalhei de alugado
Queimei lenha fiz carvão
Broquei mato de machado
Fiz coivara no roçado
Fazendo calo na mão
Eu fiz tudo direitinho
Com cuidado e carinho
Pra plantar o meu feijão
No roçado tinha rancho
Aonde eu sentava ancho
No horário de meio dia
Lá bebia água do pote
Contente feito caçote
Pulando com alegria
Eu sentava pra almoçar
O feijão bom a cheirar
Com pimenta e farinha
Mas bem antes de comer
Eu botava pra beber
Uma boa cachacinha
Descansava um momento
Escutando o som do vento
Na sombra do umbuzeiro
O cantar do passarinho
Que cantava quietinho
No galho do juazeiro
Logo o dia terminava
Eu contente deslocava
De volta pro meu recanto
Levava muita fartura
Lucrado da agricultura
Pra fazer um adianto
Na frente eu caminhava
Os bois me acompanhava
Puxando um velho carro
Eu feliz ia aboiando
O carro velho cantando
Cheio de poeira e barro
Eu também já cortei palma
Já chorei senti o trauma
Quando chegava o verão
Já passei muito sufoco
Nesse sertão de caboco
De mãe preta e pai João
Já senti no espinhaço
A quentura e o mormaço
Do sol forte a me queimar
Já enchi os olhos d`água
Com peito cheio de magoa
Vendo tudo se acabar
Já cavei lá no riacho
Descendo de chão a baixo
Buraco fundo na areia
Procurando uma aguinha
Nem que fosse uma gotinha
Pra matar a sede feia
Já cruzei numa estrada
Olhando a urubuzada
Se fartando na comida
Ovelha, gado, jumento.
Tudo morto ao relento
Por faltar pasto e bebida
Já entrei numa tapera
Onde o mais que se espera
É ter alimentação
Crianças choramingando
Pai e mãe o consolando
Fazendo uma oração
Já vi muita mãe gritar
E soluçando a chorar
Jogando pedras na cruz
Lamentando a gemer
Vendo seu filho morrer
Blasfema contra Jesus
Só entende o meu falar
Minha rima e meu rimar
Quem tem sangue sertanejo
Quem já trabalhou na roça
Quem morou numa palhoça
Quem conhece o manejo
Quem montou em um cavalo
Fez o mato dar abalo
Pra pegar um barbatão
Amansou um boi carreiro
Comeu em prato brejeiro
Nas quebradas do sertão
Quem parou no fim do dia
Para olhar toda a magia
Do sol forte queimador
Quem sentou lá na calçada
Numa noite estrelada
Vendo o céu encantador
Quem correu pelo terreiro
Brincando o dia inteiro
Usando a imaginação
Quanto mais imaginava
Muito mais coisa criava
Carregado de ilusão
Quem viveu sem vaidade
Distante de uma cidade
Morando nos isolados
Quem viveu na natureza
Que tem muito mais beleza
Do que muitos povoados
Pra entender o meu falar
Minha rima e meu rimar
Só quem fez uma fogueira
E matou bode e capão
Fez buchada, fez pirão.
E cantou mulher rendeira
Quem correu em vaquejada
Fez versos cantou toada
Entende minha linguagem
Não tem luxo nem frescura
Vem de uma vida dura
Mas não muda sua imagem
Pra você de outra linha
Vou dizer sem picuinha
Cada um tem seu destino
Eu respeito muito o seu
Respeite também o meu
Sou poeta nordestino
O Brasil é dividido
Somos do mesmo partido
Com cultura diferente
Um povo que só trabalha
Feito burro na cangalha
Mas segui indo pra frente
Já chega vou terminar
Não dá mais para rimar
Deixo um forte abração
Com meu jeito de caboco
Nesse Brasil de sufoco
De mãe preta e pai João.
Diosmam Avelino- 06-06 2014
Direitos reservados