A VINDA DO CARCARÁ
Conto-lhes cá
o devido deste cordel,
a vinda do carcará
voando lá do céu...
De cima viu populacho
se espremendo no redil,
mirou o lá de baixo
e feito bala de fuzil
mergulhou rumo ao chão,
a fome acelera o instinto,
chega a tremer o coração...
Parente do urubu,
divide o que já foi,
o magro corpo do anu,
a velha carcaça do boi...
Mais no chão do que no alto,
não se aperreie se meio parado,
caça na terra e caça no asfalto
calango gordo, magro veado...
Deu de mudar seu apetite
devido às secas terrestres,
vai em busca de acepipes
nem que morto pela peste...
Já varou noite de sangue
de soldados contra Lampião,
já comeu cabo exangue
e de Virgulino gotas no chão...
Voa destemido por voar,
na terra unhas fincadas,
sabe a sina do carcará
nessa terra desolada...
No olho do roceiro do mato
faz paisagem de rodopio,
avoeja por todo o Crato
seja na quentura ou no frio...
Conta a historia
que peleou com urubu
e dizem pela memória
que lutou como urutu
e venceu com seu fel
marcando território
e saiu depois pelo céu
cantando sua vitória
num estranho cordel...
Carcará caça, mata e come
o filhote de ovelha,
por isso doida é sua fome
por toda essa beleza...
Sei de fato que aqui conto,
rastejou carcará escondido,
e de bico teso e todo pronto
comeu o que era pra ser comido...
Seja rato, preá, calango,
carcará nem faz escolha,
do estômago segue o mando,
da morte tira a rolha...
Avoa em busca sem fim,
ai de você se for bicho,
mais do que você, ai de mim,
se me perder no lixo,
de bebedeira ou tropeço,
de mente em enguiço,
se carcará aparecer
virá de fome acesa,
bica forte sem temer
nome ou pobreza...
Pra fechar cordel de bico,
de lembrar o carcará,
por aqui eu aqui fico
sem nem pestanejar,
bicho bonito e nem feio,
sabe quem o criou para voar
ou no chão sair de esgueio,
bicho bonito chamado carcará,
digo de novo, nem bonito, nem feio...