ANTROPOLOGICAMENTE

Por Gecílio Souza

Sou a curva do vento fraco

Sou o resíduo da poeira

Sou um caniço fumegante

Sou a pedra solta na ladeira

Sou a treva da madrugada

Sou os furos da peneira

Sou a fragância da flor

Sou o espinho da roseira

Sou o caule frágil da planta

Sou o tronco da paineira

Sou o feno desidratado

Sou a frondosa bananeira

Sou o galho desprendido

Sou a verdejante touceira

Sou o ancião de andar lento

Sou o bebê de mamadeira

Sou o adulto de passo firme

Sou o infante na carreira

Sou o paraíso perdido

Sou o abismo sem beira

Sou o condutor do trem vida

Sou o mosquitinho na rabeira

Sou a cobra rodilhada

Sou a onça traiçoeira

Sou o boi que puxa o carro

Sou a isca na ratoeira

Sou o cativo da tribo

Sou o mundo sem porteira

Sou o crepúsculo do tempo

Sou o horizonte sem fronteira

Sou o sensível desabrochar

Sou a rústica pedreira

Sou a folha seca sem rumo

Sou o cerne da aroeira

Sou a mais intensa dor

Sou a agradável coceira

Sou o cacto resistente

Sou a inerte carvoeira

Sou o solo ressequido

Sou a nascente da cabeceira

Sou a abóbada celeste

Sou a natureza inteira

Sou o dia desanuviado

Sou a noite sem lareira

Sou o rigoroso frio polar

Sou o vapor da caldeira

Sou o luzeiro permanente

Sou a chuva passageira

Sou a fisionomia sisuda

Sou a facial brincadeira

Sou o grão mais invisível

Sou a imponente colhedeira

Sou o monarca global

Sou a humilde faxineira

Sou o gênio da ciência

Sou a anônima toupeira

Sou o paciente terminal

Sou a iniciante enfermeira

Sou o deserto humanitário

Sou a frutífera videira

Sou o projeto fracassado

Sou a lança mais certeira

Sou a esparrela econômica

Sou o dinheiro na carteira

Sou o rio desfalecido

Sou a água na torneira

Sou o pico da montanha

Sou a acidental ribanceira

Sou o cabrito mais dócil

Sou o cão sem focinheira

Sou o inferno antropológico

Sou o éden da cordilheira

Sou o narcísico isolamento

Sou o solidário na fileira

Sou o homem sistemático

Sou o puro de outra maneira

Sou o autêntico cidadão

Sou o vadio de bobeira

Sou o conflito ambulante

Sou o pacífico na trincheira

Sou a visão tridimensional

Sou a severa cegueira

Sou o flerte dos amantes

Sou o amor da companheira

Sou o silêncio melodioso

Sou a estrondosa zoeira

Sou o ser indefinível

Sou o livro na prateleira

Sou a foto na moldura

Sou o espelho na pentiadeira

Sou a nave espacial

Sou a embarcação costeira

Sou a águia imperial

Sou o canário de cabeleira

Sou o vigor vegetal

Sou a cinza da fogueira

Sou a absoluta totalidade

Sou o nada, sou asneira.

Sou o meu próprio adversário

Sou a alma verdadeira

Sou o riso do palhaço

Sou o choro da carpideira

Sou o tudo e sou o nada

Sou o Gecílio Pereira

G.S.

Oiliceg
Enviado por Oiliceg em 27/09/2017
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