MORTAL EXISTÊNCIA.
Já não sei se é azul
Já não sei se é cinzento
Já não sei norte ou sul
Se é terra ou firmamento
Pois torto cresce o galho
E rouco bati o chocalho
No pescoço do lamento.
Já não sei se é poeira
Já não sei se isso é chão
Se é pedra ou madeira
Ou se é cinza ou carvão
Já não sei se ficou pouco
Ou se a alma do louco
Ganhou a extrema unção.
Já não sei o que é santo
Já não sei o que é diabo
Já não sei o que eu planto
Cultivo ou mesmo acabo
Besta é quem fez promessa
Pois não sabe onde começa
A cabeça nem o rabo.
Já não sei onde ficar
Já não sei como partir
Já não sei como arrancar
Já não sei mas repartir
Pois o pouco que me resta
É nada, e já não presta
Pra chorar ou pra mentir.
Já não sei onde é o fim
Nem tão pouco o começo
Se de erva ou de capim,
Foi feito meu rude berço
Já não tenho mas o tino
Não conheço meu destino
Já mudei de endereço.
Já não sei do meu passado
A dor me deixou dormente
Já não vejo do meu lado
A alegria presente,
Já não cantam as sereias
Nas águas das minhas veias
Estão feridas, doentes.
Já não sei se é assim
Já não sei se já mudou
Ou se já passou por mim
O pouco que me restou
Já não sei fazer o laço
E já não sinto o abraço
Do teu que me abandonou.
Já não sei se é pequeno
O meu passo na jornada
Já não sinto o sereno
Na minha tez enrugada
Já não corro pra fugir
E não rio pra fingir
Uma alegria forjada.
Já não sou um forasteiro
Nem me sinto conhecido
Sou bruto sou cangaceiro
Dum coração carcomido
Já não tenho emoção,
Apenas ouço a canção
Das lamúrias do gemido.
Já não sei se foi o sol
Já não sei se foi a lua
Que brilhou no arrebol
Tingindo a terra nua
Já não sei se socorri
Já não sei se já morri
Mas a vida continua.