A luta do lago.
Sou um lago de água clara
Sou porem muito profundo
Tenho em mim beleza rara
Mas também lodo no fundo
Se em mim água não para
Não é isso o fim do mundo.
Em mim flores sempre boiam
Em mim peixes sobrevivem
Minhas margens se apoiam
Nas plantas que nelas vivem
Muitos homens que aboiam
Seus cantos a mim dirigem.
Causo muitos ferimentos
Nos barqueiros navegantes
Ofereço alimentos
Aos famintos caminhantes
Também ouço os lamentos
De empregados vacilantes.
Eu resisto à tempestade
Aos piores argumentos
Sobrevivo na cidade
Sob os maiores tormentos
Dizem ser necessidade
Em mim por os excrementos.
Entretanto pra que eu dure
É preciso conservar
Façam com que eu me cure
Sem remédio precisar
Deixem que o lago perdure
Sem o fundo assorear.
Minha lama é alimento
Para o peixe não faltar
Muito temporal aguento
Se de mim alguém cuidar
Mas acabo em um momento
Se alguém me aterrar.
O meu fundo movediço
Tem em si vida constante
Poucos acreditam nisso
Julgam a vida passante
O terreno alagadiço
Pensam ser algo distante.
Se há luto oficial
Feriado decretado
Pro lago não natural
Que alguém fez acabado
Por ser artificial
Foi um ato programado.
Lago bom é o natural
Que se formou com tempo
Sendo ou não cartão postal
Ou caiu no esquecimento
Não é governamental
Não foi feito com cimento.
Todo lago tem nas margens
Área livre pro lazer
Pra juntar camaradagens
Descansar do afazer
Ou acontecer bobagens
Que alguém vai perceber.
Eu luto com a maldade
O sol com a escuridão
Presença com a saudade
O real com a ilusão
Luta com a falsidade
Tudo aquilo que é perdão.
Luta o amor com o ciúme
Luta a dor pra não sofrer
Luta a neve que há no cume
Da montanha a derreter
Luta a faca já sem gume
Que mais nada vai fazer.
Luta a fera apreendida
Luta com o domador
Luta a mulher traída
Luta o homem sofredor
Nessa luta sem saída
Todos lutam por amor.
Luta o certo e o errado
Luta o bem contra o mal
Luta o homem comportado
Também luta o anormal
Luta muito o namorado
Para ter amor carnal.
Luta a paz com o desengano
Luta a noite contra o dia
Luta a água contra o cano
Tristeza com a alegria
O sultão com o tirano
Ambos com a covardia.
Luta o bem contra o mal
Luta o ódio com o afago
Vive a fé no pedestal
Da beleza que lhe trago
Acontece que ao final
Tudo volta ao grande lago.