A CONFIDÊNCIA DA POESIA
Por Gecílio Souza
A natureza é minha casa
Neste existir temporário
Meu ethos ou oikós humano
Onde sou um locatário
Interajo com as espécies
Vivo em grupo, sou gregário
Nesta peça sou coadjuvante
Não sou senhor do cenário
Meu barraco é de areia
Daqui não sou proprietário
O sol é minha usina elétrica
A noite é meu berçário
Meus documentos são as mãos
Meu estilo é agrário
O galo é o despertador
Que me serve de calendário
Meu patrão é a luz do dia
Sou meu próprio funcionário
Sou mais forte que a rocha
Sou mais frágil que o canário
Na cidade sou prisioneiro
Do estresse urbano diário
Paga-se por ter nascido
Paga-se tributo funerário
O medo domina as ruas
Crimes hediondo e primário
A droga define o status
Do traficante e do usuário
O dinheiro governa a alma
Do incauto mercenário
O sistema econômico
Tem seu próprio breviário
Subtrai a cidadania
E cria truque “solidário”
Exemplo: “Natal sem fome”
Cujo benificiário
É o promotor da campanha
Que num ato voluntário
Se isenta dos tributos
E se faz destinatário
Das honras e homenagens
Em jornal e documentário
E a massa segue vivendo
O cotidiano calvário
Na escravidão do trabalho
O cansaço é seu salário
Dissuadido de pensar
Consome o noticiário
A reflexão crítica profunda
Não emana do arbitrário
Nasce do ócio, tempo livre
E o capitalismo refratário
Negou-lhe com o Neg + ócio
Porque é “bom” e “necessário”
Que a “gentálha” não pense
Quem pensa é “temerário
Intercepto este sistema
Por ele ser caudatário
Do narcisismo enrustido
De viés autoritário
A contundência filosófica
Deve ser nosso ideário
O corpo é meu “eu” animal
Veículo lento e precário
A razão é meu farol
Refletir é meu fadário
Filosofia é a perplexidade
Com o acontecimento ordinário
Pensar é trazer à luz
É arrancar do imaginário
O mergulho interior
É o mais nobre itinerário
O mundo sem a filosofia
É como o peixe sem aquário
O saber e a prepotência
Andam em sentido contrário
Saber reabilita o probo
Prepotência enterra o otário
O universo é meu livro
O mundo é meu dicionário
A escrita é meu divã
Meu réquiem e confessionário
E vocês, caros leitores
Sou-lhes grato e tributário