A PRINCESA E O PLEBEU

Um dia fiz uma torre alta

e nela me pus a me guardar

de todo tipo de malta

e dos arrepios do mar...

Ouvia aos pés da torre os gritos

e as risadas da plebe

profecias de profetas malditos

e o frio cortante do riso da neve...

Ninguém ousava a torre escalar

e nem pelo céu ousar um pouso

menos ainda uma invasão começar

como fossem os Visigodos...

Anos a fio me dediquei a inventos

de tal forma que eu pudesse inventar

um sonho que movesse por dentro

o que aqui fora parecia parar...

De barba longa e a nariz adunco

e mãos longas e pés descascados

jamais me imaginei estar junto

de uma flor de olhar rosado...

Pois foi isso o que passo a contar

nestes versos de libertação

pois que toda poesia é para dar

ao poeta a nobre condição

de a liberdade experimentar

e usá-la no coração...

Sei lá porque subiu a moça

a torre em vagar lento e pesaroso

trazia num bolso do avental a louça

e n'outro uma dúzia de cozidos ovos...

Ofegante feito onda de alta maré

alcançou o parapeito com mãos machucadas

depois suavemente depositou os pés

como fosse uma nuvem de açucena dourada...

Num espanto de emudecer as batidas do coração

fiquei paralisado como se o veneno de uma aranha

penetrasse em recantos nunca antes visitados

e parasse os movimentos de uma forma estranha...

Aos poucos me refiz da presença

de uma moça tão linda e faceira

e dei a mim a última sentença

de vê-la sempre e não só a vez primeira...

Ela estendeu sua mão e riu e disse

que sabia haver alguém enclausurado

só não sabia se por alguém que insistisse

do mundo viver tão afastado...

Sem palavras que brotassem e viessem à tona

sorri trincando os lábios de nenhum vocábulo

me senti como um surdo que ouvisse a Nona

um animal de quatro patas no estábulo...

Ela quebrou o gelo e perguntou meu nome

e eu encantado só lhe disse que era Plebeu

sorrindo me ofereceu os ovos para a minha fome

e devagar murmurou qual era o nome seu...

Ouvi como se um riacho lavasse minha'alma

pois as palavras soaram com uma inebriante beleza

e pude então saborear este momento em doce calma

e então soube que seu nome era simplesmente Princesa...

Sentamos-nos ao chão e ela balbuciou uma poesia

que ouvira no palácio e era de um tal Shakespeare

e enlevado como um albatroz a namorar a cotovia

lavei o rosto e de minha barba me pus a despir...

Já limpo e leve como um rouxinol na chuva

aceitei partir levado por tão nobre coração

e lhe disse que sabia fazer vinho das uvas

pois fui plantador de vasta reputação...

Descemos da torre e fui por todos aclamado

como o homem que poderia reinar sobre eles

pois que aprendera a viver com pouco e isolado

aprendera a pensar e não me enredar em redes...

Dali saí de mãos dadas com a princesa mais linda

e ainda ouço seus passos miúdos lá na torre alta

sinto seu perfume em minhas narinas ainda

mesmo que o fedor permaneça da rude malta...

O capelão oficiou o nosso casamento

e pude então levar uma vida de homem feliz

pois que essa história inventei cá dentro

e a pena leve a deslizar é quem diz

que melhor um sonho inventar e vivê-lo

do que se enraivecer e pelo mundo - infeliz

a gritar sair por aí a arrancar os cabelos...