MEU CASO DE AMOR COM A BAHIA
Por Gecílio Souza
Todo ser humano reflete
Uma escrita sem grafia
Uma história não narrada
Exclusiva idiossincrasia
Um mstério ambulante
Indecifrável biografia
Remorsos, rumores e romances
Em forma de drama ou poesia
Múltiplas facetas em pessoa
Que a dinâmica da vida cria
Gente inserida no mundo
Feito de miséria e alegria
Descende de duas genitoras
Sem elas não existiria
Mãe terra e útero materno
Concedem a existencial franquia
O útero me deu existência
O ethos me acolheu naquele dia
Digo com gratidão incontida
Os meus três amores da vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia
Um quadriâgulo amoroso
Traduz inexorável companhia
A liberalidade da natureza
Com enigmática maestria
Me fez gestar em dois ventres
Não é qualquer cortesia
Fui embrião numa mulher
Que gentilmente me concebia
Num lugar específico e simples
Desta imensa geografia
Um ser, um projeto de gente
Numa casa de taipa nascia
Este entusiasta das letras
Amante da sabedoria
Minha terra natal é meu ethos
Ao ethos não se renuncia
E o útero que me gerou
É minha simbólica moradia
A minha gratidão é incontida
Os três amores da minha vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia
O Brasil oficial
Proclamado pela lusocracia
Abriu os olhos e andou
Como um infante que corria
Foi traçado no horizonte
Aquele que mais tarde seria
Um dos grandes paises do mundo
Com contradições e fantasia
Na Baia de todos os santos
A portuguesa monarquia
Pôs os pés em terra firme
E com ufanismo dizia
Ter feito a maior descoberta
Que o navegador Cabral faria
Por santa cruz de cabrália
A coroa a batizaria
Celebrou-se a primeira missa
Católica teocracia
Não obstante essa ferida
Os meus três amores da vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia
Mais tarde em Porto Seguro
O lugar se transformaria
Dali a coroa portuguesa
Gradativamente se expandia
Matou nativos, confiscou terras
Impôs-lhes uma teologia
A imensa comunidade silvestre
Bravamente resistia
Os invasores europeus cristãos
Esnobaram supremacia
Assaltaram o pau brasil
Tudo que a natureza produzia
O ouro e outros minerais
A voracidade só crescia
Com a bíblia e a espada na mão
Descambaram para a orgia
Aliciavam as indígenas
Estupravam-nas sem fidalguia
Não obstante essa ferida
Os meus três amores da vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia
Berço da literatura
Da música e da melodia
Do candomblé e do tambor
Do berimbau e da magia
É onde a deusa Iemanjá
O povo reverencia
É neste rico lugar
Que ainda há dupla folia
O reisado e o carnaval
Sem competição ou porfia
Os maiores vultos da história
Formam extensa bibliografia
Castro Alves e Ruy Barbosa
Figuras de incontestável valia
Maria Quitéria e Maria Felipa
Que a história negligencia
O jurista Teixeira de Freitas
Que o direito conhecia
Esta terra é bem servida
Os meus três amores da vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia
Um fato político histórico
Para sempre marcaria
O calendário baiano
Quem conhece se arrepia
Foi a Guerra de Canudos
Símbolo de uma gente bravia
No auge do nefasto império
Um líder messiânico o desafia
O beato Antônio Conselheiro
Ao povo do lugar instruia
Gente pobre e muito humilde
À sua doutrina aderia
Ele interpelou o regime
Com sua “perigosa” ideologia
Pôs em prática uma nova ordem
Um socialismo instituia
Mas o regime imperial
Os dizimou porque os temia
Não obstante essa ferida
Os meus três amores da vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia
As grandes expressões baianas
Formam uma vasta galeria
Cada uma imprimiu sua marca
A pátria lhes deve a fatia
Pelo honroso pioneirismo
Que supera a nostalgia
São ícones da nossa cultura
E a cultura quem diria
Não faz jus ao grande mérito
Não os trata como deveria
Homens como Anísio Teixeira
Não aparecem todo dia
Revolucionou a educação
Pagou caro pelo que defendia
A ditadura lhe ceifou
Freando a democracia
Jorge Amado e Caymmi
A inteligência em harmonia
A nossa terra é agradecida
Os meus três amores da vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia
Porém isso não é tudo
Para a nossa alegria
Nesta terra nada falta
Sobram hospitalidade e simpatia
Povo afável e receptivo
Que confia e desconfia
Gregório, o “boca do inferno”
Com firmeza combatia
A sanha depreciativa
Que a elite de então proferia
A terrinha é generosa
Altruista sem quantia
Exporta a todo o planeta
Samba, forró e cantoria
Raul Seixas, Caetano e Gil
Cantando a filosofia
Gal Costa, Xangai e muitos outros
Têm folclore e romaria
Essa terra é bem querida
Os meus três amores da vida:
Minha mãe, alguém e a Bahia