O PREÇO E O VALOR
Por Gecílio Souza
Farisaica e utilitarista
É assim a nossa cultura
Condena o crime que incita
O maniqueísmo perdura
Numa hipocrisia inaudita
Inaltece a caricatura
Pernóstica e falsomoralista
Rotula, precifica e fatura
Seu código mercantilista
É uma maquiavélica mistura
Religiosa, porém materialista
Deturpa a análise da conjuntura
Hora liberal, hora xiita
Gesta a crise, gesta a ruptura
O código que ela dita
Com apoteótica desenvoltura
Enseja uma feira hedonista
Onde o legume, a fruta e a verdura
São vidas que ela interdita
Mas maqueia a amargura
Num frenesi relativista
Relativiza até a loucura
Então que valor ela suscita
Do cadáver ou da sepultura?
Em que aspecto humano acredita
A cor, o peso ou a altura?
O que geralmente reedita
Os atributos éticos ou a figura?
O que um sorriso explicita
O bem estar ou a dentadura?
O que mais encanta e palpita
O modo de ser ou a formosura?
Em que a mulher se habilita
Na maquiagem ou na doçura?
O que molda o homem machista
O másculo poder ou a postura?
O que torna a noite benquista
O luar sideral ou a frescura?
Que tipo de valor se debita
À chuva e à agricultura?
Para o fotógrafo e o desenhista
Que valor tem a moldura?
Entre o cagoete vigarista
E o corrupto de estatura
Quem não vale uma birita
O dedurado ou o que dedura?
A arma mais fatalista
Está na mente ou na cintura?
O êxito do pugilista
Vem da arte ou da musculatura?
Ao destemido socorrista
Qual o valor dessa bravura?
Para o avarento e o altruista
Quanto vale a usura?
Para o carrasco e o humanista
Qual é o preço da tortura?
Qual estética é mais bonita
A paisagem ou a arquitetura?
Qual é a máxima infinita
A verdade ou a lisura?
O que move o artista
O deleite ou a pintura?
O que vale menos à vista
O preso ou a viatura?
A realidade mais esquisita
É a miséria ou a doença sem cura?
A pessoa que muito hesita
Não encontrará o que procura
O intolerante, o que grita
Traz no íntimo uma fissura
A arrogância o debilita
No silêncio ele murmura
A humildade lhe irrita
Ponde em xeque a ferradura
Nele é o ódio que palpita
Atirando-o na fundura
Eis que quem pensa e medita
Valoriza o ser, a criatura.