EXAME DE RESSONÂNCIA
Eu me senti um tatu
Preso em um buraco
Meio tonto meio fraco
Como quem tomou *pitú*
Eu gordo feito um zebu
Bufando ignorância
Nem se que dei importância
Mas quase passei vexame
Quando fui fazer exame
De uma tal de ressonância
A moça de bata branca
Pediu para eu tirar
Anel relógio e colar
Não querendo botar banca
Ate que foi muito franca
Me pedindo pra vestir
Uma calça de dormir
Muito fina e passada
Que ficou tão apertada
Sem eu poder me bulir.
Me deu sapato de pano
Que parecia com meias
Branco como as areias
Do litoral africano.
Eu disse num desengano
Vestido na fantasia
Que eu muito parecia
Com um menino na cama
Vestido em um pijama
Numa madrugada fria.
Me levou pra uma sala
Aumentando o sufoco
Onde vi um tubo oco
Parecendo uma vala
A moça boa de fala
E de modo educado
Mandou eu ficar deitado
Em um banquinho estreito
Que ela ia dá um jeito
Pra eu ser examinado.
Eu disse desconfiado:
"Moça isso não dá certo
Esse banquinho reto
Vai quebrar eu sou pesado
Se eu cair tô lascado
E quem vai me levantar?
Eu posso ate apostar
Que isso não é pra mim
Fazer exame assim...
É melhor eu não deitar"
Ela muito educada
Foi logo me explicando
Enquanto foi me deitando
Na banca fria danada
Disse:"Não vai quebrar nada,
Isso acaba cedo
Vou guardar nosso segredo
Pois sei o senhor merece
Mas pra mim isso parece
Que o senhor tá com medo"
Não tenha medo agora
Isso é só um exame
Qualquer coisa me chame
Venho na mesma hora
Estou na sala de fora
É tão somente alertar
guando essa bola apertar
Em um instante eu subo
Para lhe tirar do tubo
Sem precisar levantar.
Que história é essa
Sou um cabra honrado
Tenho o corpo fechado
Sou pagador de promessa
Comigo não tem conversa
Por isso não me engano
Não vou entrar em um cano
Do pé ate o pescoço
Se isso ai é um osso
Eu não vou ser o tutano.
Porem minha "valentia"
Não demonstrava coragem
Eu não levava vantagem
Diante do que eu via
A moça assim dizia:
"Não fale nem movimente
Que daqui para frente
É só fechar o olho
Qualquer coisa lhe recolho
Pra começar novamente"
O mundo acabou ali
Eu tava sentenciado
Era um réu condenado
Vendo tudo me punir
Sem ninguém pra me acudir
Eu me senti um pagão
Sozinho e sem proteção
Desprezado em um canto
Chamei tudo que foi santo
Que tivesse de plantão.
Mas nenhum apareceu
No tal tubo encantado
Tinha santo ocupado
Desse modo pensei eu:
"Se nenhum me atendeu,
Não mudo a cor da brasa
E nem a minha fé vaza
Pois sei do acontecido
No céu hoje tá corrido
Por isso não tão em casa"
Ali eu fui um sofredor
Sentindo o corpo dormente
O cano na minha frente
Feito um devorador
Eu que já fui caçador
Agora eu era a caça
Diante da ameaça
Daquele bicho atrevido
Pense:" vou ser engolido
Na boca dessa desgraça"
O banquinho se mexeu
E começou a correr
Senti meu corpo tremer
Um suor frio escorreu
E com isso lá vai eu
Pra dentro da coisa feia
O sangue gelou na veia
Eu me senti um "Moisés"
Jogado de um convés
Para o bucho da baleia.
De tudo já vi no mundo
Mas nunca me assustei
Vi mendigo virar rei
Vi dançar um moribundo
Preguiça em um segundo
Escalar alto rochedo
Vi nascer um arvoredo
Botando fruta vencida
Mas nunca eu vi na vida
Um matuto sentir medo.
Tive medo sim senhor,
Mas não medo de alguém
Medo que só macho tem
Diante de uma dor
E o banquinho corredor
Judiava na manobra
Sem dá fuga sem dá sobra´
Me arrastou deslizando
Que pensei está entrando
Na goela de uma cobra.
Apertei minha pestana
Pra não ver ele por dentro
Pois eu já tava no centro
Daquela besta cigana
Eita exame sacana...
Que minh'alma enjoa
Eu me sentindo atoa
Fiz um voto ativo
Que eu escapando vivo
Seria outra pessoa.
Eu dentro daquela pança
Sem poder me mexer
A lembrança me fez ver
O meu tempo de criança
Tudo era só bonança
Naquele mundo dourado
Eu via pra todo lado
Os anjos da liberdade
agora já de idade
Tava num cano entalado.
O tempo foi se passando
E não chegava ninguém
Que me fizesse o bem
Então comecei orando
Ali eu fui confessando
O meu pecado agudo
Pedindo a Deus por tudo
Para eu ser socorrido
E fosse logo cuspido
Pra fora do tal canudo.
Nesse momento escutei
O banquinho escorregar
Me levando devagar
Foi então que eu pensei:
Sera que o grande Rei
Me escutou nessa hora
Então por isso agora
Vou ficar no seu alcance
Tendo uma nova chance
Me colocando pra fora?
E o banquinho foi correndo
Como um carro no trilho
Eu disse:"Pai o seu filho
Tá por mim intercedendo"
Abri o olho e fui vendo
A moça de bata branca
Meu peito quase arranca
O coração do arame,
Era o fim do exame
levantei livre da banca.
Pense numa alegria
que eu senti meu irmão
Parecia a escravidão
Ganhando a alforria
A moça de bata ria
Com o susto que passei
Mas eu nem me importei
pois eu já tava liberto
Eu era outro por certo
Pelo tranco que levei.
Sai da sala dizendo:
"Vou vestir a minha roupa
O que passei não foi sopa
Dentro deste tubo horrendo
Exame triste tremendo
Que inventou a ciência
Médico sem consciência
Que faz isso com a gente
Me trata por paciente
Mas não tenho paciência.
Me danei num corredor
fui sair em outra sala
Cheguei lá quase sem fala
Procurando meu amor
Perto de um bebedor
Eu fui lhe avistando
E sorri lhe abraçando
Ela não entendeu nada
Me perguntando assustada
O que tava se passando.
Tá tudo bem Damiana
Minha flor de mussambê
Hoje eu digo a você
Que a vida é tirana
Mas quando for pra semana
Nos vamos é viajar
Passear e namorar
Como você sempre quis
Eu quero te ver feliz
O resto vá se danar.
E ainda digo mais
Nunca mas volto aqui
Pois quase que eu morri
Como nossos ancestrais
Agora meus ideais
É te dá só importância
Perdoe a ignorância
Do que eu vou lhe dizer
Mas nunca mas vou fazer
Exame de ressonância.