LADO A LADO (CORDEL DA SALVAÇÃO)

Queria Deus, agora, aqui comigo,

andando lado a lado,

braço sobre meu ombro ferido

de tanta carga e pouco agrado...

A cada ruína que eu causasse,

num piscar de olhos consertaria Ele,

e, se eu do bem me afastasse,

diria, sussurrando, que sou Dele...

A cada palavra má que de mim fugisse,

colocaria mil anjos em sua captura

e a transformaria e faria com que surgisse

um poema de asas longas na noite escura...

Se porventura quebrasse eu o selo do mal,

poria sua mão a fechar a Caixa de Pandora

e, num sobreaviso ao guardião sideral,

faria o Nefasto renunciar a tudo agora...

De tantas mortes provocadas

por minha astúcia comprometida e degenerada

salvaria os que tem sorte de não ter nada

em suas fichas escritas com a vida que levaram...

Levantaria tantos Lázaros quanto fosse possível,

e, numa noite de mistérios e profecias verdadeiras,

entregaria seu filho que foi amado num outro nível

aos monstros armados no Monte das Oliveiras...

Eu, ao seu lado, perguntaria porque tanta dor,

esperaria que me respondesse de modo suave,

afinal de contas a todos que creem Ele é o Senhor,

e então sei que me diria, em tom conciso e grave,

a cada homem posto na Terra há um caminho,

a quem mata, a morte o serve como escrava,

a quem bebe é dado conhecer Baco, seu vinho,

a quem pensa que tudo tem, seu próprio nada...

E eu, me sentindo confortado e seguro,

perguntaria a Deus o que há do lado de lá,

se há uma escada para poder alçar o muro,

ou os cabelos de Rapunzel para poder alcançar...

Riria, sei que riria, de meus rudes modos humanos,

um faísca de carinho poria em minhas mãos,

na palma desenharia cada um do seus planos,

esotéricos desígnios astrais e suas configurações,

e eu, menor ainda diante de tanta elevação amorosa,

ajoelharia e beijaria sua mão estendida, por compaixão,

e, jardineiro do jardim suspenso lhe daria a rubra rosa,

agora denominada, por Ele e por mim, meu coração...

Olhando ao redor percebo que tudo foi um sonho desejado,

piso em cacos de vidros e vejo combalidos e enfermos hospitais,

a fome rondando crianças que nasceram sem nenhum pecado,

o céu, quieto, a nos espiar, sem enviar nenhum dos sinais...

A mão que se estende me pede dinheiro para o saciar,

eu, que nem bolsos tenho na alma que comigo carrego,

posso apenas lhe dar, às minhas expensas, meu amar

e um pouco de unguento para o ferimento do seu prego...

Desolado e só, a sede a desdenhar do meu oásis interior,

caminho pelo Calvário a imitar a morte e sua fome devastadora,

os que me castigam tripudiam de minha luz e do meu amor,

nem minha mãe seria capaz de se tornar minha fiel confortadora...

Em total abandono de crença e intenções me dou por vencido,

erguem-me como um espantalho que deseja chegar perto de Deus,

reparo que nenhuma alma há por detrás de seus olhos de vidro,

já não mais alcanço, com meus braços atados, nenhum dos meus...

Entrego minha alma e, por fim, que eles não sabem o que fazem, digo,

ouço Deus rugir seus leões de nuvens e sobre eles águas chorosas,

voo por sobre a humanidade ferida e sopro sobre o campo de trigo

meu último suspiro, desço da cruz com os ferimentos à mostra...

Deixo a gruta num dia de sol luminoso e me visto todo de paz,

digo à Maria Madalena que estarei entre eles para enviá-los

à todas as partes do mundo, que sigam entre negros e brancos,

pobres e ricos, afortunados e malditos, para que possam amá-los

como eu vos amei, acima de toda ignorância dos preceitos finais,

deem ao mundo suas palavras que abrem fendas nas almas fechadas,

lhes deem amor como a mim, mesmo que sacrificando, me deu o Pai,

e então, por mim, pela crença e fé, toda a humanidade estará salva...

Eu, ao lado de Deus, conto-lhe essa história, o cordel da salvação,

de novo ri, quase gargalha, me abraça e me diz que lhe fiz um favor,

o fiz crer que ainda há amor pulsando em cada pequenino coração,

por isso irá espalhar sobre todos na Terra todo o seu imenso amor...