O SONHO DE GALDINO
No próximo dia 20, o assassinato da liderança indígena Galdino Pataxó completa 20 anos. Miguezim de Princesa faz ao índio martirizado uma singela homenagem:
O SONHO DE GALDINO
Miguezim de Princesa
I
Galdino estava cansado,
Deitou para descansar
Numa parada de ônibus
Tendo o Céu pra contemplar,
De repente um fogaréu
Começou a lhe queimar.
II
Imaginou que era Deus
Que veio por cima da serra
E aportou no Planalto
Para lutar sua guerra
E findar a injustiça
Reinante por toda a terra.
III
Com fogo ele apareceu,
Descendo do firmamento,
Para entregar a Moisés
As tábuas dos mandamentos;
Com fogo disse a Jesus:
“Morra e acabe os tormentos!”.
IV
Galdino disse: “É Tupã,
Deus do frio e do calor,
Que me esquenta no relento
Com esse fogo abrasador,
Ele veio em boa hora
Aliviar minha dor”.
V
E quanto mais se queimava,
Mais Galdino agradecia,
Subiu no fogo um azul
No clarão que reluzia,
Ele então imaginou
Que fosse a Virgem Maria.
VI
O pataxó nesse instante
Se encheu de esperança
De ter sua terra de volta,
Cheia de fartura e bonança,
De tibungar no açude
Do seu tempo de criança.
VII
Viu as estrelas no céu,
Contemplou toda a amplidão,
Imaginou pirilampos
Clareando a escuridão,
Depois sorriu pra São Jorge,
Que derrotava o dragão.
VIII
E assim ele partiu
Na viagem derradeira,
Nem percebeu que a maldade
Se aproximou sorrateira
E queimou sua matéria
Alegando brincadeira.
IX
Cinco almas desgarradas,
Procurando desatino,
Com suas vidas vazias,
Sem vereda e sem destino,
Deram as mãos à crueldade
E incendiaram Galdino.
X
Quando a notícia espalhou-se,
Foi grande a consternação:
Vital Farias chorou
Entoando uma canção
Dos índios que já morreram
“Qual ave de arribação.
Zé de Nana tá de prova:
Naquele lugar tem cova,
Gente enterrada no chão...”.