Um sertanejo do exílio
I
No meu peito hoje mora uma saudade
Que eu trouxe ao deixar o meu Torrão
Ao subir em um trem na estação
Eu levava de mim só a metade
Ao descer num subúrbio da cidade
Me senti como entrar na sepultura
Eu sentia no peito uma apertura
Como se abraçado pela morte
Percebi que teria que ser forte
Pra conter toda aquela amargura
II
Eu nasci e vivi sempre no mato
E a terra era a vida para mim
Um amor, que eu sei, não terá fim
Cada dia que passa eu só constato
O destino pra mim foi muito ingrato
Ao forçar-me a deixar o meu rincão
Pois ali eu plantei meu coração
E com risos e lágrimas cultivei
Ao partir eu não o desenterrei
Sepultado ficou naquele chão
III
Todo dia bem cedo eu acordava
Com o galo cantando no poleiro
Um tempinho depois sentia o cheiro
Do café que mamãe já preparava
O meu pai às seis horas me chamava
Pra ajudar a cuidar da criação
Já mais tarde, depois da refeição
A família ia junto pro roçado
Eu voltava às vezes bem cansado
Mas, feliz e com paz do coração
IV
Mas um dia uma seca prolongada
Dizimou nossa força e a coragem
De lutar contra a longa estiagem
Que deixou nossa terra devastada
E assim, sem plantar nem colher nada
Com tristeza e dor deixei meu lar
Eu parti pois não pude mais ficar
Vim tentar nova vida construir
Mas pensando em nunca desistir
De um dia pra lá poder voltar
V
Cada dia que passo na cidade
É repleto de dor e sofrimento
Mesmo tendo arranjado o meu sustento
Não encontro aqui felicidade
Lá no campo eu tinha liberdade
Pois vivia integrado à natureza
Na cidade há angústia e incerteza
É difícil encontrar um ombro amigo
Ser feliz nesse mundo eu não consigo
E à noite eu me afogo na tristeza
VI
Nenhum homem devia ser forçado
A deixar o lugar onde nasceu
Onde tudo na vida ele aprendeu
Onde viu seu caráter ser formado
Onde amou, foi feliz e foi amado
E aprendeu a gostar desde menino
E se por ironia do destino
For forçado a deixar esse lugar
É provável que nunca vá amar
Outra terra, onde vai ser peregrino
VII
Desgarrado de amigos e parentes
Que arribaram em várias direções
Eu suplico nas minhas orações
Para Deus proteger a nossa gente
Pois um dia, a chuva, certamente
Vai voltar para as terras do Sertão
Quando o verde cobrir de novo o chão
Vou voltar com a alma comovida
Abraçar minha terra tão querida
Onde um dia deixei meu coração