O MEU RIMANCEIRO * Aguarela da Vida
Nenhum rouxinol cantou
e era noite de luar.
No silêncio que pesou,
só um mocho que agoirou
errâncias de mal andar…
Vem rompendo agora o dia.
Uma brisa sopra branda.
Já há muito a cotovia,
em voos de rebeldia,
p’los ares lavados anda.
A Leste, o céu ruboriza.
É o sol, que sonolento,
devagarinho mal pisa,
em caminhada precisa,
o aclive do firmamento.
Soam passos bem ritmados.
É um jumento novinho
de passos alvoroçados
como se fossem bailados
na solidão do caminho.
Atrás dele, vem ligeira
uma moça camponesa,
rosa ainda na roseira,
olhos negros, tez trigueira,
hino silvestre à Beleza.
Mais além, a passarada
descuidada já chilreia,
ensaiando a revoada,
na alegria deslumbrada
que, terno, o sol encandeia.
Ai, que linda esta aguarela
que tantos recusam ver!
Quando a vida se revela
e ninguém quer dar por ela,
que sentido tem viver?
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 15 de Março de 2017.