SECO LAMENTO.
O sertão anda seco
Aqui não nasce mais nada
A terra chora rachada
O vale virou um beco
A lama, podre esterco
O vento enruga o couro
O sereno é bebedouro
Na goela do ancião
Tudo é pó e carvão
Vaga, carne, e o touro.
Chora o filho pelo peito
Nos braços da mãe viúva
Ronca a fome pela chuva
Estrebuchando no leito
Na terra quente me deito
Vendo o pranto espalhar
A lágrima chega a coalhar
Com a quentura do chão
Sem a bagem do feijão
Para o pobre debulhar.
Voa o retinto urubu
Leve como uma cortiça
Por cima de uma carniça
Do que já foi um zebu
Corre na areia o tatu
Para não ser comido
Por um vivo oprimido
Sem ter a água e o pão
Pois assim geme o sertão
Doente, fraco e ferido.
O astro rei fez morada
No céu do sertão inteiro
E de janeiro a janeiro
Sua corte foi malvada
Julgou e pós condena
A terra e sua gente
Com sentença indecente
Que pena com dor e mágoa
Sentindo falta de água
Bebendo o suor quente.
A seca é uma fera nojenta
Igual uma víbora louca
Lança pedra pela boca
E poeira pela venta
Se presta feia e lenta
Como a larva do vulcão
Lambendo todo o sertão
Tal qual o monstro da morte
Que mata dando o corte
Nas veias secas do chão.
O cheiro, o sopro o suspiro
Sai da boca da serra
Cansada dentro da guerra
Que mata sem dá um tiro
O gavião dá um giro
Sobre a guerra turva
Entre o sol e a chuva
Só um dá a combinação
A chuva e o sertão
São a mão e a luva.
Ossos assam ao relento
Ao bel-prazer das formigas
As lágrimas são como ortigas
No rosto do sofrimento
Depois enxugam no vento
Que passa sem ter destino
O estalo de um galho fino
Ecoa como um gemido
No corpo do chão batido
Na alma do nordestino.
Se o céu todo abrisse
Suas tampas celestiais
E ricos mananciais
De forte chuva caísse
E se Deus Pai permitisse
Inverno no solo bruto
Por certo todo matuto
Seria o rei da lavoura
E a terra mãe produtora
Da floração e do fruto.
Se uma nuvem amojada
Parisse um filho d'água
Se sessaria a mágoa.
E a lua como uma fada
Pintasse de esmeralda
Todo o verde das plantas
E sua luz como mantas
Cobrisse o vão da serra
O sertão era na terra
O manto das águas santas.
Porem o sertão soluça
Engasga-se com a poeira
A água é estrangeira
Onde o rei sol se debruça
Queimando tudo que pulsa
Rachando todo rebento
Com o seu sopro cinzento
Nas narinas de couro
Ouvindo um canto mouro
Entoando um lamento.