CORDEL DA CRIAÇÃO
E os dois, Deus e o Diabo,
sentados lado a lado,
numa mesa de nuvens
lá nos confins do universo,
por si mesmos foram convocados,
em pensamentos imersos,
ata em punho um anjo de escrevinhação,
passaram aos tópicos,
os primeiros da criação...
Deus disse que tinha criado o homem
com o destino de fazer bem ao mundo,
recém criado em terra e água e ar e fogo,
quiçá os malefícios, um deles a fome,
para o bem era ele oriundo...
Riu o Diabo, de quasquasquá acintoso,
olhou pra Deus, de rabo de olho,
mandou de vez a profecia anunciada,
homem é pra fazer o mal, comer rabada,
antes tem a morte da vaca,
se for churrasco tem a carne da paca,
mais, homem é de viés interesseiro,
se não vai pela vista,
vai pelo cheiro...
Deus desdenhou de tal testemunho,
desse pensar desquebrado,
homem bom nunca tropeça
na pedra do pecado,
mui pelo contrárío,
se dá muito bem por achado
quando levanta alguém do chão,
seja senhora, criança ou anão,
tem a forte certeza do bem querer,
homem foi feito prá mode do bem fazer...
Quasquasquá, grasnou o Diabo,
rindo das perrengas de Deus,
o homem não é como tu,
é mais a cara de eu,
se permite vou lhe mostrar
a visão do que digo agora,
o homem foi feito pra dar
no cavalo com grossa espora...
E abriu o céu e suas cortinas,
feito um cinema abriu logo um telão,
sem propaganda ainda,
mostrou logo a filmação
de um homem entrando no banco
de espingarda de cano cortado,
mandou o caixa abrir o cofre
e roubou o que há de ser roubado...
Deus, então, abriu sua tela branca,
chamou do Diabo a atenção
para o homem que caminhava
cambaleando no chão,
e do bolso caiu a carteira
e um outro foi pegar,
o diabo esperando que ele fosse guardar
no seu bolso os pertences do homem adoentado,
mais eis que o homem devolveu
sem pegar nenhum trocado...
O Diabo fez um pigarro
e disse - olhe esse aqui,
que sai de casa no carnaval
e na rua faz xixi...
E esse outro, disse o Diabo,
que deu de bater em mulher,
uma vez foi com o cajado,
n'outro dia foi de colher...
Deus disse que erros
todo mundo comete,
só não pode passar dos seis,
isto é, não chegar aos sete...
Que o homem tem conserto,
Deus disse que ele tem,
é só desentortar
que ele endireita bem...
E nesse vai e vem de mostragem
passou a eternidade,
Deus a falar do belo
e o Diabo da maldade...
Nisso um barulho fez bonito
abrindo o céu em duas partes,
era um homem numa cordame
provocando um desastre...
Disse que veio na confirmação
da existência de Deus,
para lá espiou o Diabo
e disse que era parecido aos seus...
Deus deu-lhe a benção do Paraíso,
o Diabo o acolheu,
metade dele pertence a um,
a outra a quem lhe deu
o livre arbítrio para a justiça
que se fez cega
para não ver o que homem faz,
de parecer com Deus de vez em quando
e no muito de um Diabo muito capaz...
E assim segue aqui na terra
essa pendenga do homem ao léu,
às vezes é o homem é quem berra
pelo Diabo que de vez em quando desce do céu...