CORDELÍRIO DE AMOR
Em versos medido pretendo
abrir este que se põe diante da vista,
e no menor dos meus anseios entendo
que ao versejar devo dar-lhes uma pista,
por menor que seja, por maior que possa ser,
para que à sabedoria de vosmecês seja uma conquista,
para o bom entendimento ou para não entender...
Se digo que passo a passo conto-lhes esta historieta,
mais digo que ela teve acontecimento nas vielas
por onde andei quando era um mero proxeneta,
desses de arroubo e cordão de ouro em penduricalho,
de guardar o dinheiro sobrado no fundo falso da gaveta,
de dormir de olho só olhando a lua só de soslaio...
De passada em passada pelos lugares que mandava,
dei de ver certa menina de olhos grandes e bem claros,
num reparo aqui e outro ali mais de nela me interessava,
coisa que bem não faz a quem vive deste emprego um tanto raro,
e por dias e noites e em claro e em desassossegadas dormidas,
dei-me de pensar e a de me revolver por dentro como no barro
o porco procura o diamante que o salvará do lamaçal da vida,
tanto dei-me a isso que fui perdendo o comando do meu cargo
e a me comer um certo ardor tratou-me como se eu fosse comida...
Larguei de banda o esbravejar e as cuspidelas mais que enfezadas,
por nada dei-me de comprar uns presentinhos e dar a elas sorrindo,
uns bocarrotos espalharam que a melancia estava podre e marcada,
que o general dessa bandinha à aposentadoria estava seguindo,
e eu, mais furioso, andei de arma e nas costelas a espingarda...
Foi lá no banho que arrepiei no meu entendo,
quando me vi cantarolando uma cantiga,
a água ia, devagar, por todo o corpo escorrendo,
e eu, de cantador, a me lembrar da rapariga...
Me pus de roupa chique feito mandacaru na chuva,
empertigado arfei de pronto e saí pra este mundo
levando a ela uns cachos da mais doce uva,
uma certa adaga amorosa me cortava lá no fundo...
Cheguei na esquina do pecado e visvi ela, bonita,
de saia curta e mais curto o de por em cima,
quase que uma palavra em minha boca a ela grita,
que de amor minh'alma toda se alucina...
Me pus de ida ao seu encontro bem devagar,
cortei a rua com meus passos de Romeu,
um estampido de pólvora seca cortou o ar,
e foi aí que a tragédia então se deu...
Corri demais e me acheguei e num levanto
a pus nos braços e a chamei devagarinho,
e ela disse o meu nome, pro meu espanto,
e recolhi o seu sorriso com todo o carinho...
Me disse, arfando, que esperava o meu chegar,
que me espiava pelas esquinas deste mundo,
que não deu tempo, agora era hora de estar
nos braços de um anjo que a chamava
de um jeito profundo...
Larguei-me todo quando ela devagar fechou o olhar,
largou da mão e abandonou os seus dedinhos
a força que a erguia e a fazia neste lugarejo lutar,
arquei o corpo e dei-lhe um beijo tristezinho,
vejam vocês, perdi depois de aprender a amar...
Foi no enterro que paguei às custas minhas
que vim saber que sua cor preferida era violeta,
e foi lá mesmo que me disseram seu nome de rainha,
que estava escrito no RG, lá assinado: Julieta...
Depois que me vi sozinho neste mundo de meu Deus,
larguei de tudo e me afundei lá pras bandas de Mossoró,
hoje campeio gado perdido e que também gado fui eu,
casei, fiz filhos, não se apaga o passado, fica uma pontinha de dó...