VIM DE LÁ, EU VIM...
Ciranda, cirandinha,
vamos todos cirandar,
tô de pronto na cantiga,
eu vim lá do Ceará
e nesse canto em desabrida
minha história vou contar...
De pisada em pisada,
no seco chão e em espinhos,
chorei e dei risada,
vim com Deus,
não vim sozinho...
Larguei terra de riso rachado,
nem a flor foi nos visitar,
ouvi de longe na existência
de um lugar chamado mar...
Cabeça seca e olhos mais,
no espio vi o céu todo azulzinho,
quantos mortos animais,
cada um devagarinho
a morrer num berro só,
lá de cima anjo espia,
no coração imensa dó...
Arribei feito asa branca
num voar sem direção,
quem manda é a sentença:
quem nos guia é o coração...
Pus as solas desses pés
tão cascudos e sedentos
nos estribos do trem sem chaminé,
vi por fora e por dentro
o revés da olhação,
que moço feio esse que sobe,
num devia subir não
nesse trem de posses tantas,
acho que não vai comer
nem almoço e nem a janta...
Mesmo a não segui andando,
de vareio e alucino,
me lembrei de eu era quando
um frangote, um menino...
A secar sem gorda gota mãe minha,
pai ria de loucura e dizia ver capiroto,
galo nem brigava e cachorro nem latia,
pra que cavocar e fazer por lá esgoto?
Fui chegando e manco de sonhar
pousei feito ave de destino anunciado,
vim da aridez, não vim do ar,
desci da cruz onde fui pregado...
Que tanto pó e cimento num erguido,
tanta gente que nem se vê e anda junto,
sequidão de interesse por lá detrás do vidro,
na solidão que passa e espera eu amunto...
Fiz que fiz de varrer o chão e comer letras,
de não dormir pra estudar os dos sabidos,
da vaca me lembro, que era murcha e sem tetas,
bebo do leite que vem na caixa, todo espremido...
E assim foi até que meu nome chamaram lá,
me deram diploma e eu não era mais o Jó,
mas eu queria muito mais para poder voltar,
pra ver alface verde na brotura e pão de ló...
Mais do que tinha quis eu e li cem mil palavras,
e fui subindo pela escada do descobrir sentido,
e mais comia e mais eu lia e mais eu era uma larva,
e num pé de feijão subi ao castelo, ao alto fui erguido...
E tanto fiz e mais queria que fui feito doutor de alta patente,
e dei de voltar os pensamentos ao seco chão onde nasci,
a recolher em minh'alma as secas almas de tanta gente,
a despertencer desses pertences sem mágoa e sem fugir...
De bolso cheio e caminhão de lotação de mantimentos
fiz de volta a caminhada e fui parar lá no esqueleto
do casebre onde fez-me a vida o por fora e o por dentro,
dei de cara com lembranças e delas fiz bom proveito...
Água chamei e veio ela pelo cano da irrigação,
gritei ao caju e a manga que saíssem à luz do dia,
e se fizeram de corpo presente na doçura da carnação,
e foi de ver o mais belo pomar como se plantado em poesia...
Um pouco do oco enchi com fé e matéria de criação humana,
ergui alvenarias e pus a serviço o trabalho de mãos sedentas,
que saber eu soube sempre que na loucura vem a semente santa
que só precisa de costas largas e força de quem aguenta
viver o pouco como se fosse o muito da vida de gente tanta...
O tijolo embaixo na muralha do destino faz-se Atlas e feliz
passa eternidades sem sentir o medo ou o cansaço acumulado,
e é, nos ditados que se escuta nas andanças, que se diz
que o homem veio para encontrar o que tanto tem procurado...
Viver a ciência de não saber-se excelência e ser douto,
repartir a luz que ilumina seu labirinto seja lá onde for,
espalhar as migalhas do muito que se tem e que parece pouco,
de grão em grão no semeio ver brotar o que mais nos alimenta,
o amor...