VERDADE INCONVENIENTE

Por Gecílio Souza

Nesta vida tão efêmera

Marcada pela brevidade

O tempo carimba tudo

Com prazo de validade

Cada ser, uma história

Cada homem, uma identidade

O pensar e o agir

Definem a realidade

Toda ação possui um preço

Todo EU, uma vontade

Os bens e seus valores

Uns o dobro, outros a metade

Os projetos e os sonhos

A prática e a efetividade

Mas o bem mais valioso

E de elevada qualidade

É o que todos enaltecem

Porém dele se aborrecem

Que se chama autenticidade

Pois é sobre este bem

Que agora vou discorrer

Sem medo de restrições

Que alguém me possa fazer

Nenhuma tutela é válida

Dogma algum pode deter

A palavra e o raciocínio

E o exercício de escrever

Tão somente à razão

Deverei obedecer

Aprecio brincar com as letras

Sou devoto do saber

No jogo com as palavras

Vou revelando o meu ser

Gerarei perplexidade

Controvérsias e o que dizer

A patranha não é inocente

A verdade é inconveniente

Pode a muitos ofender

A ideologia hegemônica

Tomou acento no universo

Pôs tudo de ponta cabeça

Inverteu todo o processo

O que ela julga ser bom

Pode crer que é o inverso

Quando ela propala avanço

É atraso e retrocesso

O que veta como atraso

Aposte que é progresso

O que denomina de Bem

É deplorável abcesso

O seu conceito de Mal

É no mínimo controverso

Confeccionou um Deus único

Divinamente perverso

“Santo” é o seu distintivo

“Bondoso”, porém vingativo

Que a muitos nega acesso

O cárcere mais eficaz

Se chama religião

Aprisiona a consciência

Deixa livres pé e mão

Introjeta no prisioneiro

Judeu, mulçumano ou cristão

A ideia de que são livres

Mesmo estando na prisão

Potencializa o fanatismo

O martírio e a circuncisão

Conflitos ao redor da Terra

Têm religiosa justificação

Mentes herméticas e insanas

Praticam autoflagelação

Deus é um espectro mental

Uma cerebral construção

São meras manobras mentais

Que os miseráveis mortais

Criam por compensação

Cada credo construiu

Um código articulado

Conjunto de regras e preceitos

Por eles sacralizado

Narrando a origem de tudo

Com cadência e cuidado

Ardilosamente montaram

Um esquema bem bolado

Falando de fé e milagres

De salvação e pecado

As peripécias divinas

Deixam qualquer um corado

Deuses e homens competindo

Todo o espaço povoado

Seres benignos e malignos

É um mundo mal assombrado

Este reino da fantasia

Aliena, adestra e guia

O homem fragilizado

Quem ler o livro de Gêneses

Se impressiona com a lenda

O mito da criação

É uma engenharia tremenda

A trama do céu e do inferno

Dicotomia em contenda

A residência do “altíssimo”

Que o cristianismo referenda

Se contrapõe à urbe satânica

Que é uma realidade horrenda

Separados por um abismo

Uma intransponível fenda

O “céu” é acessível a quem

Paga o dízimo e a oferenda

O inferno é destino certo

De quem “erra” e não se emenda

Narração nada intuitiva

Ao ler a bíblica narrativa

Não há quem não se surpreenda

É de um tino admirável

O anônimo narrador

Do mito da criação

Que estabeleceu um divisor

Entre o sagrado e o profano

Entre o “santo” e o “pecador”

Projetou uma dimensão

Paradisíaca e superior

Onde a eterna melodia

São a adoração e o louvor

Onde o único sentimento

São a pureza e o amor

Sob o governo absoluto

De um monarca criador

Antagônica e logicamente

O mitológico historiador

Idealizou o inferno

Um espaço fictício e eterno

Diabólica arena do horror

A narrativa é fantástica

Não por retratar a verdade

Mas pelo dom do narrador

E pela sua engenhosidade

De imaginar uma trama

Que moldou a humanidade

Inventar o céu e o inferno

Instituir a dualidade

Erigir duas estruturas

Cada qual uma entidade

Bem e Mal se duelando

Maniqueísta rivalidade

Contraditórios de origem

Ao crivo da racionalidade

Duas forças indestrutíveis

Desde e para a eternidade

Invencíveis concorrentes

Logo, não são onipotentes

Ou lhes falta habilidade

Esse castelo fantasioso

Fruto da construção mítica

É um cativeiro virtual

Similar à obra artística

Acorrenta multidões

Com uma catequese mística

Inculcou o pessimismo

Subestimou a lei da física

Dogmatizou o universo

Se fechou à qualquer crítica

Cá em baixo edificou

Templo, catedral, basílica

Supervalorizou a doutrina

Mitigou a ação cívica

Se inseriu no mundo humano

Articulou-se com o mais profano

E se apropriou da política

Em geral os puritanos

São os mais vis e cruéis

Usam ternos ou batinas

Exibem caros anéis

Fascinados pelo poder

Desdenham e exploram fiéis

Pretensos arautos dos mistérios

São teológicos coronéis

Condenam ou absolvem

Nos espirituais bordéis

São lobos em pele de ovelhas

Túmulos pintados a pincéis

Elegantes almas sebosas

Amam sexo e coquetéis

Pregam aberrantes doutrinas

Supostamente divinas

Praticam horríveis papéis

O domínio religioso

Já teve o seu apogeu

Escravizou muitas almas

Guerreou, se enriqueceu

Ditou as regras do mundo

Obteve o que não mereceu

A filosofia lhe peitou

Ele se recrudesceu

Multiplicou-se em vertentes

A intolerância cresceu

Praticou barbaridades

Dos crimes não se arrependeu

Seu ímpeto ganancioso

Jamais se retrocedeu

Dionisíaco de coração

Falso santo, fariseu

Seu credo é uma artimanha

Acreditar nessa patranha

É preferível ser ateu

Oiliceg
Enviado por Oiliceg em 03/03/2017
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