Canto Xinguano
Sou de uma pequena terra
Em que as pessoas são
Das cores dos grãos de areia
Vermelhas, brancas, salmão...
Belas pela natureza
Simples ante a grandeza
Fortes como o gavião.
Sou de uma grande floresta
Que todos olham atentos
Da coruja, curió
E dos cantos agourentos
D’som fértil do bem-te-vi
Que ontem de manhã ouvi
Fiar raios opulentos.
Sou o canto do uirapuru
Às vezes livre não vejo
Às vezes preso sufoco
A liberdade é desejo
De uma presa procurada
De floresta maltratada
De um delírio em bocejo.
O canto do uirapuru
Alegrou o ambiente
Que durante muito tempo
Deixou o povo contente
Regendo bela orquestra
Só com partitura destra
E fonia comovente.
O canto está sumindo
A orquestra desbandando
As notas tão dissonantes
E nossos rios transbordando
E outros rios a secar
Poucos peixes a pescar
E a onça destronando.
O papagaio fugiu
Lacrimejou o jacaré
O boto não festejou
O índio marchou a pé
A água suja ficou
Da mata o grito ecoou
No fumo sumiu o pajé.
As tribos se espalharam
Da grande estrada surgiu
Uma fala de progresso
Que o governo pariu
Da tinta do escritório
Passou para um purgatório
E a fauna e flora sumiu...
O presidente mandou
A cabocla não sorriu
O arco ficou caído
Flecha inerte não saiu
Toda ordem de lá veio
De arigós o porão cheio
Venturar em nosso rio !
Mui riquezas aqui tem
A memória me enleva
A momentos tão chocantes
Do branco que se eleva
Sobre floresta e povo
E rompe o pequeno ovo
Aquece a gema e leva.
As antas correm daqui
Nossas cobras já não são
Venenosas para além
A paca rompeu o clarão
Capivara mergulhou
O jacaré sufocou
O que ficou? Só pirão!
Tartaruga desovou
Na praia do Encantado
Da canoa de bubuia
Vê – se o boto afogado
O apapá pulou alto
No anzol fisgado deu um salto
E o tizio voou assustado.
O tatu foi pra estrada
A carreta também foi
Com galhardia o veado
Virou uma carne de boi
O jabuti se escondeu
A cutia mui sofreu
Sumiu o peixe que era boi.
De longe vi à ribanceira
O menino a gritar
Era homem, seu pobre pai
Que estava a lamentar
- não tem caça pra comer
- nem leite para beber
Até onde vamos chegar!?
Não tem nenhuma cigana
Prum caldo saborear
As máquinas espantaram
Os macacos fanfarrear
As cigarras já não cantam
As formigas descansam
E os rios a assorear.
Cedo o galo não cantou
Não desabrochou a flor
O sol nasceu prematuro
A lua sem seu fulgor
A noite sem suas estrelas
A moça sem beijadelas
O palhaço sem humor.
É terra de pequiá
Guaraná e açaí
De chibé com camarão
Do boto e jurupari
Da castanha e cupu
E do nosso rio Xingu
Que ainda está aqui
A sofrer represamento
Dinamite explodir
Os sangue-de-boi fugindo
De sua morada aqui
Do sudeste e nordeste
Do sul e centro oeste
Nossa riqueza extrair.
Os empresários daqui
Cantavam em euforia
Hoje choram espantados
Como a grande maioria
Cadê a prosperidade
Que creram em quantidade
Só era fantasmagoria.
Homens e mulheres presos
Criança e velhos calados
Ladrões e marginais soltos
Sonhos e planos roubados
Inda somos alegria
Um pouco de utopia
Em seios desconsolados.