EU, O INDEFINIDO

Por Gecílio Souza

Sou uma montanha íngreme

Sou o espinho no cipó

Sou o rio, sou a lagoa

Sou o ambiente do socó

Sou o vento, sou a fumaça

Sou a lama, sou o pó

Sou a ponta do iceberg

Sou a argola, sou o nó

Sou a brisa e o furacão

Sou o raio do trovão

Que não cai num lugar só

Me chamo síntese de tudo

Sou sensível, sou sem dó

Sou fraqueza vertical

Sou o velório, sou o forró

Sou a lebre, sou o leão

Sou a vespa, sou o coró

Sou o mendigo maltrapilho

Sou o doutor de palitó

Sou o livro na biblioteca

Sou a mão, sou a peteca

Sou o peixe, sou o timbó

Sou a brasa, sou o gelo

Sou a paz e sou a guerra

Sou o prêmio de quem acerta

Sou o caminho de quem erra

Sou o desabrochar da flor

Sou o fim que tudo encerra

Sou o mugir do touro bravo

Sou o bezerrinho que berra

Sou o alpiste da passarada

Sou o sereno da madrugada

Sou o fogo subindo a serra

Sou de cepa africana

Me eduquei na Inglaterra

Sou a parteira dos rebentos

Sou o coveiro que enterra

Sou o bálsamo que alivia

Sou a marca que ao boi ferra

Sou o limite do universo

Sou o epicentro da terra

Sou o luar fascinante

Sou o sol quente escaldante

Sou a travanca que emperra

Sou a porta que se abre

Para dentro do meu ser

Sou a janela que se fecha

À quem chega sem bater

Sou estudante de mim

Buscando me conhecer

Sou a escola dos meus dramas

Sou aurora, sou anoitecer

Sou todos os desencantos

Sou o oceano de prantos

Sou o circuito do prazer

Sou um livro codificado

Que não pude escrever

Sou a folha seca vagando

Sou a nuvem a se mover

Sou o próprio mundo aberto

Sou o cárcere do meu dever

Sou a chuva, sou a geada

Sou o sol a se ferver

Sou refém dos meus caprichos

Sou estátua nos meus nichos

Ninguém vai me compreender

A noite é minha madrasta

O silêncio é meu amigo

A solidão é a praça

Onde me encontro comigo

Sou a miniatura do cosmos

Os sonhos são meu abrigo

Meu concorrente é o medo

Pois viver é um perigo

Sou a pedra na descida

Sou a complexidade da vida

Definir-me não consigo

Sou um paradoxo ambulante

Que com o mundo me intrigo

Sou maior que o meu corpo

Sou menor que o meu umbigo

Sou um caniço fumegante

Sou o perdão, sou o castigo

Sou as duas mãos estendidas

Sou o cemitério e o jazigo

Sou múltiplo num só espaço

Então não façam o que faço

Ouçam apenas o que digo

G. S.

Oiliceg
Enviado por Oiliceg em 26/02/2017
Reeditado em 17/02/2020
Código do texto: T5924112
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