ARISTÉIA - UMA SOBREVIVENTE DO CANGAÇO

As histórias do cangaço

Nunca se acabarão

Pois houve muitos bandidos

Que chamaram atenção

Do bando de Virgulino

E até de Antônio Silvino

Bem antes de Lampião.

Hoje a minha ocupação

É descobrir tais memórias

Desde alguns privilégios

E até pequenas vitórias

Mas mesmo os mais destacados

Foram todos dizimados

Restou somente as histórias.

Dos que contaram vitórias

Por não morrer no cangaço

Se acabaram na velhice

Sem fazer estardalhaço,

Das vidas seu conteúdo

Viraram tema de estudo

Como este que agora faço.

No início do cangaço

Só os homens guerrearam

No período Lampião

As mulheres ingressaram,

Mesmo como companheiras

Houve muitas cangaceiras

Que armas também usaram.

Das que mais se destacaram,

Durvina, que dava idéia

Dadá, pra correr no mato

Era uma centopéia

E a que mais fazia fita

Era Maria Bonita,

Famosa Maria de Déia.

A cangaceira Aristéia

Outra que se destacou

Irmã de Eleonora

Que no mato se findou

Mas escapou da chacina

Como Dadá e Durvina,

Até que desencarnou.

Em Alagoas morou

Numa área muito agitada

O pai, a mãe, seus irmãos

E sua família amada

Sítio Lageiro do Boi

Fazenda que foi não foi

Estava sendo visitada.

Em Canapi situada

De Alagoas o sertão

As volantes perseguindo

O bando de Lampião

Quando estavam na trilha

Não respeitavam família

Que morasse na região.

Os cabras de Lampião

Se na fazenda passava

Na casa haviam sete moças

Porém eles respeitavam

Já a polícia chegando

Além de muito desmando

A todos desacatavam.

Quando a volante chegava

Já começava o terror

As mulheres se escondiam;

Certa vez ali chegou

Uma equipe «espalha brasa»

Bateu no dono da casa

E no filho Antenor.

Bateu tanto que arrancou

Uma orelha do rapaz

Com a coronha da escopeta

Que esse não esqueceu mais

Morreu de velho falando

Em sua mente reclamando

O mal que a polícia faz.

Só tinha irmã, o rapaz,

Por isso a perseguição

A irmã Eleonora

Procurando proteção,

Jurou vingar o displante

A surra que a volante

Deu no pai e no irmão.

No bando de Lampião

Eleonora se abrigou

Juntou-se com Serra Branca

Depois ela engravidou

Parindo no tabuleiro

E com o pai cangaceiro

Ao padre o filho entregou.

Aristéia que ficou

Foi tachada de coiteira

Perseguida da polícia

Fugiu para outra ribeira

Vivendo sempre escondida

Não achando outra saída

Teve que ser cangaceira.

O bandido Catingueira

Que há muito a cortejava

Não perdia as esperanças

Pra o cangaço a convidava

Prometendo proteção

Uma feliz união

Mas ela não aceitava.

Contra ela se fechava

O cerco dos policiais

Ela sempre se escondendo

Depois não aguentou mais

Se uniu a Catingueira

Passou a ser cangaceira

Vivendo nos carrascais.

Ganhou chapéu e bornais

Roupa azul e par de meia

Tornou-se uma valente

Sem medo de cara feia

E saiu com o marido

Pra um coito bem escondido

Chamado «Pilão das Peia».

No cangaço, volta e meia

Enfrentava coisa séria

Mas ela era destemida

E não temia miséria

Duas primas que ficaram

Também a acompanharam:

Sebastiana e Quitéria.

A coisa ficou mais séria

Quando ela engravidou

Mesmo sabendo a dureza

Muito contente ficou

Aristéia, a cangaceira,

Amante de Catingueira

A gravidez encarou.

Um dia ela viajou

Com o grupo de Moreno

Pra Santana do Ipanema

Atravessando um terreno

Que segurança não dava,

Enquanto ela gargalhava

O chefe ia sereno.

Um descampado terreno

Teriam que atravessar

O chefe ia na frente

Sempre atento a vigiar

Pois naqueles matagais

Sempre haviam policiais

Nas moitas a tocaiar.

Aristéia a conversar

Distraidamente ria

Disfarçando o sofrimento

Que a caatinga oferecia

Feito sentença cumprida

Da mocidade perdida

Onde prazer não havia.

Ainda cedo do dia

Seguiam a triste missão

Apesar de vigilantes

Caminhavam em direção

A uma volante escondida

Tocaiada e decidida

A matá-los à traição.

Segue o bando em direção

Sem suspeitarem de nada

Um aparente sossego

Reinava na caminhada

Mas logo os risos cessaram

Quando tiros ecoaram

Da volante tocaiada.

Com a confusão gerada

O bando se reunia

A mulher se protegendo

Homem ao fogo respondia

Houve intenso tiroteio

Gente ferida no meio

E só fumaça se via.

Cangaceiro Pontaria

Deu com a cara na poeira

Logo depois Aristéia

Via cair Catingueira

E sair a se arrastar

Para tentar se livrar

Do eixo da bagaceira.

Durou uma hora inteira

O tiroteio acirrado

Até que o matraquear

Foi ficando moderado

Soldados foram parando

Da luta se retirando

Com mortos no chão tombados.

Catingueira baleado

Conseguiu se levantar

Pontaria estava morto

E do outro lado de lá

Tinha mortos na volante

Mas com eles naquele instante

Ninguém ia se importar.

Conseguiram arrastar

Catingueira para o aceiro

Do caminho e o deitaram

Na sombra de um Umbuzeiro

Tendo sido examinado

E viram que seu estado

Era para desespero.

Ao ver o seu companheiro

Ali naquele esturpor

Dando os últimos suspiros

Aristéia se lembrou

De um ditado preciso,

Constatou que muito riso

É sinal de muita dor.

Moreno ainda perguntou

Ao seu amigo de fé

Que ali se contorcia:

«O que faço com sua mulher?»

Catingueira agonizando

Respondeu balbuciando:

«Faça o que bem quiser.

Mas se o amigo puder

Procure a família dela

Não deixe que os macacos

Façam nenhum mal a ela

Que ela nunca padeça

E que meu filho não cresça

No meio dessa mazela.»

Ficou olhando pra ela

Quase sem respiração

Pelo estrago da bala

Via-se até o coração

Pulsando bastante lento

Sem nenhum medicamento

Ali como proteção.

Um chumaço de algodão

Embebido num pouquinho

De «Saúde da Mulher»

Que havia num frasquinho

Durvina os lábios molhava

Dele que agonizava

Morrendo devagarinho.

No aceiro do caminho

Sepultaram Catingueira

Numa sepultura rasa

Para não fazer poeira

Entraram no matagal

Se afastaram do local

Em busca de outra ribeira,

Moreno com a cangaceira

E alguns do bando voltou

Com quatro dias ao local

Que a Catingueira enterrou

Viu Pontaria jogado

Da cabeça decepado

Que a polícia decepou.

Dali Aristéia rumou

Peregrina sem comando

Em busca de Eleonora

Que vivia em outro bando.

De Serra Branca a chefia,

De Alagoas não saía

Das volantes se esquivando.

Quando ela foi chegando

Já recebeu a notícia

Que a irmã Eleonora

Foi morta pela polícia

Com Serra Branca e os demais

Sofreram golpes mortais

Nas mãos de uma milícia.

Perseguida da polícia

Sem ter para onde ir

Com a barriga pesada

Já em dias de parir

Resolveu se esconder

Até seu filho nascer

E do cangaço sair.

Termino a história aqui

De mais uma cangaceira

Moça bonita e prendada

Filha de família ordeira

E a polícia perseguiu

Tanto que ela fugiu

E caiu na capoeira.

Viveu como cangaceira

Na caatinga se escondendo

Quase sempre perseguida

Os companheiros morrendo

Os chefes iam tombando

O cangaço se acabando

E ela sobrevivendo.

Muito tempo se escondendo

Depois reapareceu

Viveu até a velhice

Contando o destino seu

Até o final dos planos

Com noventa e oito anos

Em Paulo Afonso morreu.

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 15/02/2017
Código do texto: T5913469
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