VINGANÇA DE CABOCLO

VINGANÇA DE CABOCLO

Seu moço, não me incrimine

Nem me chame cangaceiro

Pois sou um sujeito honesto

Trabalhador e ordeiro.

Antes de me condenar

Espere eu lhe contar

A minha história primeiro.

Nascí no Sítio Facheiro

Perto do Vaquejador

O meu pai, Chico Machado,

Foi um grande caçador

Me ensinou tudo que eu sei

E foi dele que eu herdei

A fama de atirador

Por aquele interior

Lugar onde eu residia

A minha fama, seu moço,

De boca em boca corria

Por quem eu era estimado

Fui até apelidado

Como o Rei da Pontaria.

E todo mundo dizia

Pelas veredas e trilhos

Que de Seu Chico Machado

Eu não negava ser filho

Tanto por minha destreza

Como pela ligeireza

De meu dedo no gatilho.

Devido aquele meu brilho

Os «caboco» do lugar

Pensando que eu tinha medo

Vinham me desafiar

Pra no meio do esparro

Botar na boca um cigarro

Pra com uma bala eu cortar.

E as mocinhas de lá

Digo e não faço segredo

Botavam fulô na boca

Sem ter susto, sem ter medo,

Prendiam até o suspiro

Para eu cortar com um tiro

No arrastão do meu dedo.

Fosse tarde ou fosse cedo

A minha disposição

Era igual a toda hora,

Num tou aumentando não,

Nem criando fantasia,

Só contei o que eu fazia

Com uma arma na mão.

Seu moço, preste atenção

Que a historia começou:

Devido a minha fama

De ser bom atirador

Uma caboca bonita

Chamada Maria Rita

Me amava, com todo amor.

Ela também me tocou

Isso eu não posso negar

Há tempos meu coração

Queria se declarar

Que amava Maria Rita,

Essa cabocla bonita

Como nem é bom falar.

Começamos namorar

Sem nenhum constrangimento

Aquele nosso namoro

Criou desenvolvimento

Logo cheguei a pensar

Que para eu me casar

Era chegado o momento.

Lhe falei em casamento

Vendo que ela estava afim

Tão logo fiz a proposta

Maria disse que sim,

Não podia me negar,

Tava pronta pra casar

Porque gostava de mim.

Depois me contou, enfim,

Algo do passado dela

Disse já ter sido noiva

De um tal de Pedro Canela

Um sujeito bem pachola

Um tocador de viola

Que ainda roía por ela.

Esse tal Pedro Canela

De vez em quando jurava

Se não casasse com ele

Com outro ela não casava,

Mesmo que ela tentasse

E se com outro casasse

Então ele se vingava.

Aquilo que ele jurava

Nós esquecemos de vez

E esquecendo o juramento,

Que o Pedro Canela fez

Nós demos logo andamento,

Marcamos o casamento,

Para o fim do outro mês.

Logo o prazo se desfez

Até que o dia chegou

Meu sogro fez uma festa

Os amigos convidou

E entre muita alegria

Sem haver malicunía

Nós casemos, sim senhor.

Seu Canela, tocador,

Convidado pra tocar

E completando o conjunto

Zé Pirrita no ganzá

No melê, Joao Fortunato

Na concertina um mulato

Chamado Juca Preá.

Meu sogro, João Alencar,

Estava cheio de vida

Com gosto no casamento

Da sua filha querida

Não regateou despesa

E botou na sua mesa

Muita comida e bebida.

Minha sogra Margarida

Oferecia com graça

Pra mulherada presente

Petisco, café com massa,

E os homens com alegria

De vez em quanto bebia

Um tragozim de cachaça.

Completando a arruaça

Caía chuva no vergel

A noite virou um dia

Acendendo o fogaréu

Chega o trovão pipocava

Relâmpago faiscava

Rasgando o bucho do céu.

Aquele povo fiel

Dançava muito animado

Pras tantas da madrugada

Tava tudo encachaçado

E eu também, pra que negar,

Com gosto por me casar,

Também tava embriagado.

Somente um dos convidados

Ali não se embebedou:

O violeiro presente,

Seu Canela tocador,

Que me vendo embriagado

No meio dos convidados

Parou a dança e falou:

“ Ze Machado atirador,

O melhor desse retiro,

Tu és bastante famoso,

Tua fama eu admiro.

Apois manda teu amor

Botar na boca uma flor

Pra tu cortar com um tiro!”

Só se ouvia o suspiro

Criado com aquele impasse;

Uns convidados pediam

Pra que eu não atirasse

Outros pra me encorajar

Mandavam eu atirar

E a fama sustentasse.

Eu esfreguei os meus dedos

Enquanto o outro sorria

Quando a arma levantei

Pra fazer a pontaria

Bêbado como eu estava,

Duas flor eu avistava,

E via duas Maria.

A mão tremia... tremia...

Eu nem ficava parado...

Quem tinha visto tremer

A mão de Zeca Machado?...

Ninguém viu, até agora.

Só tremeu naquela hora

Porque eu tava embriagado.

No meio dos convidado,

Do povo que eu admiro.

No meio daquela sala

Só se ouvia o suspiro

De um ou outro soluçando

Placidamente esperando

Pelo momento do tiro.

Então prendi o respiro

E atirei, meu senhor,

No meio do fumaceiro

Eu vi desabar a flor

E vi cair desmaiada

Em sangue toda banhada

Minha noiva, meu amor!

O maldito tocador

Gritava lá do seu lado

Todo ancho, todo prosa:

“Perdeste a fama, Machado!

És um grande fanfarrão!

E agora, por tua mão,

Eu me vinguei, tou vingado!”

Eu ali amargurado

Em pé no meio da sala

Respondi para o sujeito:

“Eu inda tenho outra bala.

Tás satisfeito, Canela?

Tás vendo o cadáver dela?

Agora eu quero vingá-la!”

Eu quis correr da sala

Mas não pode, meu patrão,

Por causa desse maldito

Eu perdi minha razão;

Um outro tiro se ouviu

E o miserável caiu

Com uma bala no coração.

Quando eu vi ele no chão

Fui me abraçar com Maria

E lhe pedi seu perdão

Nessa hora de agonia

Ao seu lado ajoelhado

Ouví quase amalucado

O que ela me dizia.

Enquanto a vela luzia

Eu chorava do seu lado

Ela então me respondeu:

“Zequinha, tás perdoado...

Por tua falta de sorte...

E perdoo pela morte...

Desse maldito culpado!”

Peço que faça um agrado

De me ser sempre fiel

E meu último pedido,

Me enterrem com este véu,

Eu fico no cemitério

Mas é assim que te espero

Como noiva, lá no ceu!

Guarde este meu anel

Contigo, no dedo seu...

Disse isso, meu patrão,

Sua mão enrijeceu

Da vela espiou pra luz

Disse o nome de Jesus,

Fechou os olhos...morreu!!!

ESTE TEU OLHAR

Que olhar é este

Que me estremece

Que me deixa rubro

Que me entumece?

Penetra meu corpo

Invade a minha alma

Não pede licença

Afasta-me a calma...

Que olhar e este

Que aquece o meu corpo

Revela a indecência

Sem receio ou pudor

E logo se transforma

Numa explosão de amor?

Este teu olhar

Me leva as estrelas

E assim invado a lua...

Me aqueço ao sol

E sob as gotas da chuva

Me transformo em paz...

BIOGRAFIA DO AUTOR

De um galego descendente de Holandesa com Português e uma bisneta de Índia Panati, nasceu José Medeiros de Lacerda, mais um descendente das sete irmãs da Cacimba da Velha. Aos 8 anos, já escrevia estórias do seu imaginário, como "O Aventureiro", descrevendo a saga de um garoto criado entre as matas da Várzea Comprida na Fazenda Passagem do Meio, de seus avós maternos. Com 12 anos, extremamente amante dos estudos, viu seu sonho desmoronar-se. Só homem já feito conseguiu voltar às salas de aula, de onde nunca mais saiu. Primeiro como aluno, depois professor. O sangue de Tropeiro da Borborema herdado do pai, o fez percorrer o Brasil, de Roraima ao Paraná, carregando seus sonhos, compondo seus poemas, idealizando seus cordéis. No teatro foi ator, dançarino, coreógrafo, autor, na poesia um aprendiz, do Cordel é professor. Em Santa Luzia, constituiu família, em Patos concluiu seu curso de Letras na atual FIP. Hoje se realiza vendo seus cordéis lidos, em todos os Estados brasileiros. E mais feliz fica, vendo várias escolas pelo Brasil a fora vivenciando sua poesia em sala de aula. Seus cordéis tem cunho educativo, informativo, histórico, nunca usados como desabafos íntimos, válvulas de escape diante das pressões existenciais. Hoje com mais de 360 folhetos escritos, faz da poesia sua terapia ocupacional. Seus netos, e sua primeira bisnetinha lhes proporcionam tudo que ainda lhe resta para se emocionar, procurando dar-lhes o que ele não teve direito em sua infância... Seus pais, de saudosa memória, foram apenas o começo de sua história!!!...

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 11/01/2017
Código do texto: T5878697
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