O AMIGO SEM NOME.
Tenho cá no pensamento
Que tudo vai virar pó
Mas o tal do casamento
Quando arrocha o nó
Não tem nada que desate
É feito um alicate
Amassando o arame
Nem que o mundo dispare
Não tem nada que separe
Um casal que se ame.
Juntei com minha amada
Do modo que a lei deseja
Casei pela lei sagrada
No cartório e na igreja
Por isso vivo dizendo
Digo não me arrependo
Penso nela o dia inteiro
Hoje ando meio pesado
Mas vale um gordo casado
Do que um magro solteiro.
O coração desarrumado
Batia de todo jeito
Era sujo empoeirado
Na prateleira do peito
Porem com zelo e primor
A faxineira do amor
Limpou o pó da ironia
Deixando ele reluzente
Da cor da água corrente
Renascendo todo dia.
Passo agora a contar
O solteiro que eu era
É difícil acreditar
Mas quem quer saber espera
Se hoje estou casado
Fui um vilão no passado
Sofri como cão sarnento
Vaguei pelo mundo atônito
Comi o meu próprio vomito
Por zombar do casamento.
Quando eu tava solteiro
Parecia uma enxurrada
Alagava o mundo inteiro
Depois que a água acabava
Vinha o verão do vazio
E eu não dava um pio
Porque não tinha com quem
Procurava nas mulheres
Carne para meus talheres
Mas vivia sem ninguém.
Comia a qualquer hora
Dormia onde dava sono
Não tinha o que tenho agora
Era feito um cão sem dono
Andava solto no mundo
Parecendo um vagabundo
Todo coberto de pó
Vivia feito uma brasa
Que assa mas não tem casa
Quando apaga é cinza só.
Nenhuma casa eu tinha
Há não ser a da camisa
De vez em quando me vinha
Algo como que avisa:
*"O tempo esta passando
A solidão vem chegando
Gelada como a neve
Procure seu endereço
Casamento tem um preço
Portanto pague o que deve*"
Um dia um amigo meu
Me falou de um pensamento
Que certa vez ele leu
Lá no novo testamento
Onde lá estava escrito
Que o *Poder Infinito*
Na sua força mas bela
Fez o homem e o paraíso
Mas também que foi preciso
Tirar dele uma costela.
Não sei o que ele tomou
Isso o amigo não disse
Mas o homem desmaiou
E sem que ninguém visse,
Fizeram uma operação
E o paraíso então,
Tornou-se uma aquarela
Quando o homem acordou
Danou-se se apaixonou
Por Eva sua costela.
Retruquei com ironia
*"Amigo não leve a mal
Eu detesto cirurgia
E corro de hospital
Alem do mais me cansa
Essa história de criança
Não passa de novela
Mas repeito a sua fé
Porem se tenho o filé
Pra quero uma costela?*"
Eu vivo como um rei
E não gosto disso não
Mas uma coisa eu sei
Casamento é uma prisão
E aliança é uma correia
Deus me livre de cadeia
Não quero ser condenado
Quero sair disso ileso
Pois quem casa vivi preso
E a mulher é o delegado.
Porem esse meu amigo
Portava grande virtude
Nunca encrencou comigo
Nem mudou sua atitude
Vez em guando conversava
Me cercava e rodeava
Com os pensamentos seus
Explicando sem tormento
Que família e casamento
Era um plano de Deus.
Eu com minhas brincadeiras
Não media meus dizeres
*"Não sou frente de trincheiras
Pra ter planos ou deveres
Se o Todo Poderoso
Traçou um plano ditoso
Pra ninguém ficar solteiro
Por que então por engano
Antes de fazer o plano
Não me perguntou primeiro*"
De novo o bondoso amigo
Com ternura e mansidão
Ria de mais comigo
Sem causar má impressão
Aproveitava o embalo
Falando de um tal Paulo
Famoso nas escrituras
Que dizia:-melhor é casar
Do que viver de fornicar
Envolvido em aventuras.
Quem respeita e considera
Tem o dom da paciência
Realidade e quimera
É questão de aparência
Entre o ateu e o cristão
Há a fé e a razão
E mais um pra duvidar,
Espere então um momento
Pra que quero casamento
Se nem Jesus quis casar?
Sempre que eu retrucava
Com minhas brincadeiras
O meu amigo procurava
Me mostrar outras maneiras
Falava dos grandes mestres
Dos sertões o dos agrestes
Todos bem afamados
Ressaltando os repentistas
Os poetas cordelistas
Que foram todos casados.
Tocou no meu ponto fraco
Pois sou leitor de cordel
Repentista é o maior marco
Da cultura é menestrel
Admiro a sua arte
Mas casamento á parti
Eu não chuto essa bola
Se eu fosse um repentista
Amigo, eu era um artista
Mas casado com a viola!
Vamos parar com história
Casamento é bobagem
Encasquete na memória
Ser solteiro é vantagem
Tem mulher a cada esquina
Não se lasca na rotina
Nem vive pela metade
Alem do mais é uma droga
Quem casa tem uma sogra
E perdi a liberdade!
Não tinha jeito no mundo
Que mudasse o meu pensar
Mas é em um segundo
Que tudo pode mudar
Nos sentados a mesa
Para a minha surpresa
Meu amigo me falou
Que iria a terras distantes
Pois assuntos importantes
Por essas terras deixou.
Perguntei ao meu amigo
Que assunto era esse
E o "papo" dele comigo
Perdera o interesse?
Afinal ser um solteiro
Não mudava o com panheiro
Tão pouco nossa amizade
Se falei de tal maneira,
Era só uma brincadeira
Com um pouco de verdade.
Quando eu tava com o amigo
Alguma coisa eu sentia
Era como se um abrigo
De doçura me cobria
Ele não me criticava
Tentava sempre tentava
Explicar com mansidão
Me mostrando com exemplos
Que dentro ou fora de templos
Sempre havia salvação.
Ele era diferente
De outros amigos meus
Era terno complacente
Falava sempre de Deus
Apesar de eu ser contra
Isso ate me amedronta
D'eu nunca ter me irritado
Vez por outra ele dizia
*"Apesar dessa ironia
Te vejo ainda casado*"
O meu amigo foi embora
Não me disse o paradeiro
Saio pelo mundo a fora
E eu permaneci solteiro
Com a vida desregrada
Amante da madrugada
Das mulheres e serestas
Que esqueci o amigo
E a vida só por castigo
Me dava festas e festas.
E me sentia "feliz"
Vivendo sem paradeiro
Eu não criava raiz
Era um "rei solteiro"
Mandava e desmandava
E ninguém me ordenava
Atras de satisfação
Pois no meu mundo de breu
Um cabra assim como eu
Não carregava paixão.
A vida ficou raivosa
Não quis me fazer carinho
Com a lança perigosa
Acertou o meu caminho
Antes quando tinha tudo
O dinheiro era o escudo
Eu tinha o mundo comigo
Mas sem dispor do dinheiro
Fui só um tolo solteiro
Que não possuía amigo.
A noite perdida e louca
Me enchia de ansiedade
Eu beijava a sua boca
Como um louco de saudade
Quando rendido ao cansaço
Com o seu escuro abraço
A noite me possuía
Sentia o amargo das ervas
Que aquela dama das trevas
Com frieza me servia.
Eu estava acostumado
A viver de boemia
Uísque importado
Eu tomava todo dia
Sempre tinha convites
Para festas das elites
Onde ate eu discusava
Era rico e solteiro
Mas agora sem dinheiro
Ninguém mas me procurava.
As mulheres que eu achava
Que eram do meu harém
Uma a uma me enganava
Me abandonaram também
Os risos maliciosos
Os beijos tão calorosos
Eram pura falsidade
Foi ai que sem abrigo
Eu lembrei do meu amigo
Cai na realidade.
Lembrei das nossas conversas
Tão puras sem interesse
Ele calmo sem pressas
Queria que eu entendesse
A importância que tinha
Ter uma mulher só minha
Com a benção do Senhor
Mas eu brincava e zombava
Achando que quem casava
Era um tolo sonhador.
Agora triste e sozinho
Só restava a solidão
Desejei ser um passarinho
Igual a o azulão
Que tão pequeno e singelo
Possuí um cantar tão belo
Que atraí a companheira
Eu a derrota cantava
Que ninguém se que notava
Nem cantando a vida inteira.
Vivi em um bosque frio
Incauto da embriagues
Sequei meu próprio rio
Bebi da minha aridez
Roubei meu próprio dinheiro
Fui um nauta perdido solteiro
A deriva pelo oceano
Fui refém de um triste vicio
Fui levado pra o precipício
Com seu sopro triste e tirano.
Por uns fui desprezado
Por outras fui esquecido
Eu cometi um pecado
Por não querer dá ouvido
A um amigo sem nome
Que de repente se some
Mas deixou seus conselhos,
Se lhe visse novamente
Lhe pediria carente
O seu perdão de joelhos.
Quem anda pelas veredas
Da tosca ingratidão
Se queima nas labaredas
Do mundo da ilusão
Se torna um peregrino
Cego e sem destino
Vagando pelo escuro
Lamentando o passado
O presente amargurado
Incerteza do futuro.
Mas logo que eu juntava
Uma quantia qualquer
Quando a noite chegava
Era bebida e mulher
Porem essa fantasia
Na primeira luz do dia
Mostrava a outra face
Esta feia como a fera
Como quem tava a espera
Que meu mundo se acabasse.
Eu carreguei este fardo
Por muito tempo na vida
Incrédulo e revoltado
Com as dores da ferida
Num casebre abandonado
Sem presente nem passado
Fraco, só e doente
Entreguei-me a má sorte
Esperando que a morte
Me levasse pelo dente.
Pobreza foi companhia
Ninguém mas me visitava
Penei sobre a cama fria
Nas noites que soluçava
No quarto da escuridão
Indigente sem perdão
Onde a coragem some
Ao céu eu só perguntava
*"Meu Deus onde estava
O meu amigo sem nome*"
Um dia a esperança
Bateu na minha porta
A minha desconfiança
Já aleijada e torta
Não me causou emoção
Achei que a impressão
Se fingia de verdade
Julguei ser uma quimera
Aquilo que eu ouvia era,
Delírios da enfermidade.
Quando ouvi novamente
Alguém do lado de fora
Batendo suavemente
Me levantei sem demora
Quase sem esta pronto
Cambaleando e tonto
Abri a porta sem jeito
Olhei de olhar nublado
Vi um rosto imaculado
Com medalhinha no peito.
Uma voz terna e macia
Saio daquela moça
Com traços que parecia
Uma bonequinha de louça
Pra não cometer abuso
Eu tava muito confuso
Fraco e muito doente
Perguntei quem era a miss,
Ela rindo então me disse
*"Uma amiga somente*"
Me perguntou com ternura
Se poderia entrar
Pois andava a procura
Querendo me encontrar
Falou das necessidades
Das minhas dificuldades
Eu fiquei sem entender
Como é que poderia
Um anjo ter simpatia
Pra quem tava pra morrer.
Sem poder me concentrar
Quase não ficando em pé
Pedi para a moça entrar
E lhe servi um café
De fraco sentei na cama
Com um encardido pijama
Me sentindo envergonhado
Perguntei eu a figura
Por que a minha procura
Se eu não era procurado?
Ela rio não respondeu
Disse que não importava
O importante era eu
A quem ela procurava
Disse que veio de perto
E que tudo ia dá certo
Se assim eu permitisse
Eu de pronto concordei
Com o susto que levei
Com medo que ela partisse.
Todo dia ela voltava
Com pão doces e frutas
Com remédios me tratava
Me ajudando na luta
Eu já tava melhorando
Aos poucos recuperando
Com sua boa vontade
E cada dia que passava
Meu coração aceitava
A benção da caridade.
Eu já não sabia mais
Se era só gratidão
Pois os meus ideais
Mudaram de direção
Setia algo que medra
No meu coração de pedra
Um raio de sol nascia
Eu não entendendo nada
Se noite ou madrugada
Pra mim tudo era dia.
Ate que foi revelado
Para o meu espanto
A moça ter me contado
O que eu queria tanto:
Ela estava sozinha
Numa simples igrejinha
Fazendo sua oração
Sentiu ali a presença
De alguém da sua crença
Pegando em sua mão.
Abriu o olho assustada
Mas logo se acalmou
Sua alma foi tocada
E uma paz lhe tomou
Um homem de jeito antigo
Contou-lhe de um amigo
Que conheceu no passado
Como o amor nunca muda
Eu carecia de ajuda
Pois estava abandonado.
Assim ela me contou
O porque daquela ação
E minha vida mudou
Por conta dessa lição
Aprendi as duras penas,
Que a ilusão apenas
É chama que só consome
Então quando a dor quebrei
Foi ai que me lembrei
Do meu amigo sem nome.
Eu e ela nos casamos
Eu e ela somos um
Eu e ela nos amamos
Sem interesse algum
Eu e ela envelhecemos
Eu e ela nos queremos
Por tudo que aconteceu
Eu sou a metade dela
A minha metade é ela
Ela é minha dela sou eu.
No dia do casamento
Nos fomos para a capela
Lá eu fiz o juramento
Olhando no rosto dela
Quando eu pude notar
Bem no meio do altar
Uma luz que não consome
Trajando tecido branco
De riso puro e franco
O meu amigo sem nome.
Senti imensa emoção
Chorei de felicidade
Ele acenou com a mão
Com toda simplicidade
Eu pude ver meu amigo
Sendo tão feliz comigo
Sem que nada nos tome
Depois ele se despediu
De novo ele partiu
Sem eu saber o seu nome.