O FANTASMA POETA.
Eu sempre fui descrente
Das coisa misteriosa
Portanto não dava prosa
A fato tão pertinente
Não dava bola a vidente
Jogando adivinhação
O mundo de assombração
Era assunto encerrado
Olé de cabra safado
Corruto besta e ladrão.
Andava noite e dia
Sisudo e muito afoito
Portando um trinta e oito
Como minha companhia
Comigo ninguém bulia
Nem topava de frente
Era um cabra valente
Que frequentava o bar
Do velho Chico Alencar
Para tomar aguardente.
Chico um velho honrado
A quem eu tinha respeito
Mas não perdia o jeito
De falara de assombrado
Eu escutava calado
Por conta da amizade
Mas a pura verdade
É que naquela altura
Eu pensava isso é frescura
Por conta da sua idade.
No bar do Chico Alencar
Tinha tudo pra ajuda
Figa, ramo de arruda
Vela santo e colar
Carranca incenso orixá
Pé de coelho no balcão
Água com sal pelo chão
Pra afastar desventura
Cruz cocá ferradura
Bem em frente ao portão.
Quem chegasse em seu bar
Pela primeira vez
Conhecia a altivez
Do velho Chico Alencar
Podia beber e farrar
No bar tinha de tudo
Tira gosto de miúdo
E caldinho de feijão
Mocotó tripa e pirão
E caranguejo graúdo.
Um dia tomei um porre
E disse ao pé do balcão
Comigo assombração
Pena chora e corre
Não me faz medo quem morre
Sou solto na buraqueira
Eu boto medo em caveira
Dou surra em vagabundo
E alma de outro mundo
Comigo é na peixeira.
O velho Chico Alencar
Ouviu e estremeceu
Se afastou se benzeu
Querendo me excomungar
Depois me trouxe um colar
Com penas de avestruz
Traçou o sinal da cruz:
"Não brinque com assombração
Quem zomba da escuridão
Acaba sem ver a luz"
Cheguei em casa enfezado
Fumaçando pela venta
Uma coruja agorenta
Rasgou no meu telhado
O gato deu um miado
De arrepiar o cabelo
Foi feio o desmantelo
Dentro da minha casa
Que o fogão cuspiu brasa
Parecia um pesadelo.
Nunca fui de ter medo
Muita coisa enfrentei
Todo brabo eu domei
Outros passei o dedo
Sou igual a um lajedo
De pedra bem resistente
Mas dese dia pra frente
Mudei minha opinião
Por conta da assombração
Que cruzou o meu batente.
Escutei uma voz falar:
"Estou aqui atrevido
Ouvi o teu alarido
Dentro daquele bar
E ouvi tu se gabar
Agora preste atenção
Eu sou a assombração
A que tu desafiou
E todo inferno escutou
E quer o teu coração.
"Eu vim pra te levar
E não apele pra sorte
Vim em nome da morte
Que já começou a cavar
A cova para te enterrar
Porque ela está com fome
Pois tudo ela consome
E o sangue teu quer beber
Mas antes mandou saber
Como é o teu nome"
Eu disse ao encantado:
"Eu sou o que não convém
Tão puco nego a ninguém
Nem sou um cabra safado
O que falei tá falado
Os meu dizeres são fortes
Não tenho medo dos golpes
Que me diferem alguns
Sou filho de garanhuns
Eu sou Ebenézer Lopes"
O encantado rosnou
Cortou a minha veste
Nessa noite o agreste
Quase inteiro parou
Então o peste bradou
Alto para o universo
Com a voz de perverso
Aumentando o seu tom:
"Tu é neto de Odilon
Que sabe escrever verso?
Eu sem roupa e cansado
O corpo todo ferido
Disse para o atrevido
Que tinha me maltratado:
"Deixe de ser safado
Bicho de rabo e ponta
Não é da sua conta
De quem eu seja neto
Suma se não te espeto
Demônio da cuca tonta"
O encantado bufou
Deu uma gargalhada
Disse:"não diga nada
Você já se entregou
Por isso é que não vou
Leva-lo a morte até
Sendo neto de quem é
Paro com a minha meta
Teu avô foi um poeta
Do quengo ate o pé"
Depois correu pro fogão
Meteu o dedo na brasa
Riscou na mesa de casa
Letras feita a carvão
Cuspiu fogo no chão
Depois voltou a escrever
E eu doidinho pra ver
O que tava escrevendo
Quando findou fui lendo
O que ele quis me dizer.
Por fim ouvi um estrondo
De um terrível trovão
Sumiu o filho do cão
Por um buraco redondo
Então eu fiquei supondo
Olhando a brasa acesa
Que a malvada surpresa
Tinha me deixado em paz
Fui ver o que foi capaz
De ter escrito na mesa.
O que fez a assombração
Não foi de um demagogo
Estava escrito a fogo
Com brasa do meu fogão
Li com muita atenção
Igualmente um pedinte
Sem soberba nem requinte
Tendo do céu a licença
Então li minha sentença
Que dizia o seguinte:
"Se hoje sou o que sou
É paga pelo que fiz
Fui moço rico e feliz
Mas a ambição me matou
O ódio me transformou
Numa fera perigosa
Gostava de verso e prosa
Que eu mesmo escrevia
Porém uma bruxaria
Tirou minha vida ditosa"
"Eu não cria em nada
Meu Deus era o dinheiro
Zombava do mundo inteiro
Até da Bíblia sagrada
Hoje a minha empreitada
Chegou no final da reta
Tua morte já não é certa
Pois a arte te salvou
E porque também eu sou
Um fantasma poeta"