O PÉ DE PINHO.

Numa tarde ensolarada

Encontrei pelo caminho

Um robusto pé de pinho

Tombado sobre a estrada

Com a casca arrancada

E o tronco todo rachado

Vi um pinho abandonado

Sem defesa agonizando

Como quem tava esperando

Outro golpe do machado.

Me aproximei para olhar

O pobre pinho caído

Aquele pinho estendido

Parecia ate sangrar

Ao redor pude notar

Que nem a mata bulia

E tudo que ali havia

Cantava um pranto de dor

Porque um vil lenhador

Matou um pinho que vivia.

Como também sou do mato

Morador do pé da serra

Meu coração ta na terra

Senti tristeza de fato

Ali eu vi o retrato

Da crueldade humana

Que assassina e esgana

A vida da natureza

Roubando toda beleza

Que da floresta emana.

Assim fui chegando perto

Do pobre pinho caído

Meu coração comovido

Meu peito era um deserto

Ao lado dele e quieto

A lágrima se fez pingueira

Molhando sua madeira

Senti seu tronco tremer

Como que fosse dizer

A vontade derradeira.

Eu perguntei já chorando

Quem tinha lhe maltratado

Por Deus qual era o pecado

Que ele tava pagando

Só porque tava ofertando

Sombra pelo caminho

Morada pra o passarinho

Por isso que foi cortado?

Pelo fio do machado?

responda agora meu pinho.

O pinho já sem resina

Sobre a estrada caído

Muito triste e ferido

Me contou a sua sina

Da ganancia que só mina

Do homem sem consciência

Que despreza a inocência

Que tem a fauna e a flora

Tudo isso ele ignora

Destrói tudo sem clemencia.

* Eu fui semente plantada

Pela própria natureza

Brotei vendo a riqueza

De toda a mata sagrada

Tive folha esverdeada

Dei meu galho a passarinho

Onde fez morada e ninho

Pra se proteger do frio

Dei sombra a bicho bravio

Ate me torna grande pinho*

* Em noite de trovoada

Bradava alto o trovão

Eu servi de proteção

Para a terra encharcada

Já numa tarde animada

O sol bordava a barra

Os pardais faziam farra

Javalis davam seu ronco

E cravada no meu tronco

Cantava alto a cigarra*

* Se a mata era uma festa

Agora é sombra e vulto

Hoje ela chora meu luto

Pois pouco tempo me resta

Tô dando adeus a floresta

Ao rio e a cachoeira

Serei apenas madeira

Cortada em plano reto

Transformado em objeto

Vendido em qualquer feira*

* Porém o Bom criador

Tudo pode e alcança

Me dando boa esperança

Pra suportar tanta dor

Se for eu merecedor

Escute o meu pedido

Nem tudo está perdido

Sobra só uma maneira

Para que minha madeira

Tenha um destino aguerrido*

Então eu disse ao pinho

Me peça o que quiser

Farei tudo que puder

Pra tira-lo do caminho

Não lhe deixarei sozinho

Vou lhe esconder na mata

Onde ninguém maltrata

Uma árvore inocente

Nem o homem indecente

Com o machado lhe bata.

* Se eu ficar escondido

Sem ter mas minha raiz

Serei um pinho infeliz

Pedaço de pau partido

Por fim serei esquecido

Comido por roedor

E o cupim o morador

Da minha podre madeira

E a terra dessa maneira

Será o meu cobertor*

* Por isso eu lhe agradeço

Se der assim meu recado

Para o lenhador malvado

Que nem se quer conheço

Já que eu terei um preço

Quase nada me consola

Só um desejo controla

Uma vontade inteira

É que da minha madeira

Se faça uma viola*

* Sim, uma viola bonita

Feita com amor e carinho

Uma viola de pinho

Pra uma noite infinita

Onde o som precipita

O cantar da seresta

Deixando tudo em festa

Onde viola é princesa

Celebrando a natureza

No palco dessa floresta*

* Diga ao lenhador mesquinho

Que não use seu machado

Contra um tronco plantado

A beira de um caminho

Diga a ele que este pinho

Desculpa a execução

Se ele de coração

Prometer que o mal isola

Me fazendo de viola

A mata lhe dá perdão*

* Quero ser um instrumento

Com doze cordas esticadas

Vibrando bem afinadas

Louvando o firmamento

Quero servi de alento

Pra quem sofreu como eu

Que um dia floresceu

Como um pinho feliz

Que lhe cortaram a raiz

Da terra onde nasceu*

* Sentirei grande saudade

Da minha mata querida

Da relva toda florida

Do sabiá sem maldade

Voando em liberdade

Na copa da cerejeira

Daquela tarde fagueira

Que o mormaço desgarra

Da minha amiga cigarra

Cantando nesta madeira*

* Não verei mais a esplanada

Dos astros no sideral

Do canto do bacurau

Sob a lua sentada

No trono da madrugada

Como uma aprincesa acesa

Com luz de azul turquesa

Sobre a floresta enorme

Ninando o filho que dorme

Na cama ada natureza*

* Se o lenhador soubesse

Que ele com o seu machado

Comete grande pecado

E a Deus só entristece

Que a ganância apodrece

Na cova da ambição

Pois ela é o pior grão

Que o bem vem rejeitar

Por certo iria plantar

Antes que eu fosse ao chão*

* Porém a pesar de tudo

Da raiva e da covardia

Terei eu grande alegria

Se acaso não ficar mudo

Longe do machado agudo

Serei grato a conquista

Se nas mãos de um artista

Eu for feito com carinho

Numa viola de pinho

Tocado por um repentista*

* Diga ao lenhador antigo

Que cortou a minha vida

Não me deixe sem guarida

Diminua meu castigo

Já que fez isso comigo

Me livre dessa prisão

Não deixe o artesão

Fazer uma peça polida

Ou uma mesa sem vida

Pra servir de refeição*

* Entregue a minha madeira

Pra quem não usa o machado

Pra quem seja abençoado

Pela arte verdadeira

Somente dessa maneira

Terei eu um lenitivo

Com acordes bem altivo

No peito de um poeta

Serei viola completa

Só assim ficarei vivo*

Foi o último pedido

Que ouvi do velho pinho

Veio o lenhador mesquinho

Com um caminhão cumprido

Levou o pinho estendido

Como um cortejo que ia

Chorando a tarde chovia

Despedindo-se do amigo

E eu pensei cá comigo

Quem sabe te vejo um dia.

O tempo foi se passando

Eu era forte e moço

Hoje velho ainda ouço

Aquele tronco chorando

Quando escuto tocando

Um violeiro sozinho

Eu volto aquele caminho

E algo em mim consola

Quem sabe aquela viloa

Seja aquele pinho.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 03/12/2016
Código do texto: T5842414
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