O silêncio do inocente.
Inocente não tem voz
Seu falar é o silêncio
Mesmo sob dor atroz
Sabe usar o seu bom senso
E se acaso fica a sós
Ao sofrer é sempre infenso.
Seu olhar é compassivo
Porque sabe que não deve
Seu andar contemplativo
Só o leva ao que escreve
Seu pensar é sempre ativo
Comentário é sempre breve.
No trabalho é pontual
Também sempre muito manso
Para ele é ritual
Trabalhar sem ter descanso
Seu ensino é textual
Não o dá só em um lanço.
Fica às vezes cabisbaixo
Com vergonha de falar
Seu olhar é para baixo
Porque ninguém pode olhar
Sabe que logo abaixo
De ouvir vai precisar.
Não conhece fantasia
Seu viver lhe ensinou
A conter sua alegria
Dispensar qualquer valor
Tem só uma escadaria
Pra subir com a sua dor.
Sua paz está distante
Mas também está bem perto
Já foi um iniciante
Hoje é bastante esperto
Seu viver angustiante
Mantém o seu olho aberto.
Seu passado, embora puro,
Sempre é verificado
Não deu passo no escuro
Mas é sempre interrogado
Nada tem de obscuro
Mesmo assim foi condenado.
Com o mau não consentiu
Mas está custodiado
Comprovar não conseguiu
Que não é desocupado
Seu trabalho só serviu
Pra lhe dar lavor pesado.
Ninguém bem dele falou
Mas foi sempre homem de bem
Sempre muito trabalhou
Pra comprar o que não tem
Se ninguém testemunhou
Não vai vingar de ninguém.
Assim cumpre a sua pena
Que passa bem devagar
É alguém fora de cena
Que ninguém vai procurar
Faz assim sua novena
Para não desesperar.
Muitas vezes é chamado
Para ir limpar o chão
Fazem dele um empregado
Lhe aplicam punição
Mas cumpre resignado
Sabe ser sua missão.
Ouve sempre reprimendas
Como se fosse um bastardo
Seu penar não tem emendas
Também nunca é visitado
Não vai receber comendas
Mas tem limpo o seu passado.
Na panela de pressão
Que está para explodir
Disfarçada de prisão
Onde não pode dormir
Vive em plena solidão
Nada espera do porvir.
Não conhece mais ninguém
Já não sabe aonde ir
Vai andar rumo ao além
Onde espera construir
Uma casa com alguém
Para assim poder sorrir.