QUEM NADA DIZ NUNCA SE CONTRADIZ

I

Ouvi dizer de um poeta,
Um cordelista mui esperto,
Que poetiza em linha reta,
Mas embora esteja perto
Faz de conta que está longe,
E seu silêncio de monge
Leva a crer que está certo.

II

Seu poema é um deserto
De amplitude vazia,
Deixando sempre aberto
A todos, por cortesia,
Uma nova inspiração
Que brota do coração
E a todos só dá alegria.

III

Tem ele a sua fantasia
De imaginar o insólito
Pra enriquecer a poesia,
Porquanto é um acólito
De nós todos cordelistas,
Que lhe seguimos as pistas
De seu inspirar monólito.

IV

Sendo eu poeta rizólito,
Só tenho a lhe agradecer
Por esse seu atuar sólito,
No qual posso me embeber
Os motes de meus escritos
Que, mesmo não favoritos,
Distraem a quem os ler.

V

Sei que a arte de escrever
Requer, além de pesquisa,
Também muito ouvir e ver
As marcações da divisa
De campos não demarcados
Limítrofes insondados
Entre o ser e o não ser.

VI

Não julgo e não vou dizer
Se esse poeta mudo
Quer fazer ou desfazer,
Mas se é surdo, ouve tudo
E sabe bem transmitir,
Mesmo que sem redigir
Do sentir seu conteúdo.

VII

Ele é culto e, sobretudo,
É leitor de todos nós,
A sua pena de veludo
Não escreve, mas tem voz,
Diz muito sem falar nada 
Esse nosso camarada
Que é amigo e não algoz.

VIII

Não é um animal feroz,
Mas cordeiro transvestido
De um lobo muito veloz,
Por conseguinte é temido,
Porém esse seu uivar,
Que ninguém quer escutar,
É em prol do oprimido.

IX

Não deixemos esquecido
Esse poeta eloquente,
Pois que ouve e é ouvido
Pelo prosador vidente;
De minha parte eu digo
A esse secreto amigo
Um obrigado somente.

X

Tão pura e simplesmente,
É dever homenagear
Um poeta inteligente
Que não gosta de falar,
Mas exalta nossos dons,
Provando que somos bons
No mister de cordelar.

XI

Não quer se identificar,
Nem se apresenta de frente,
É um Urutau que ao gorjear
Canta escondido da gente,
Mas não é gato no escuro,
Nem cachorro atrás do muro,
Tampouco é uma serpente.

XII

A alegria permanente
Começa sempre assim:
Vai do incrédulo ao crente
E de Abel até Caim,
Da cozinha vai pra sala
Porque o mudo também fala,
Quem é surdo ouve, enfim.

XIII

Há quem discorde de mim,
Mas também isso é normal,
Todo o começo tem fim
E cada bem guarda o mal
Nas contradições da vida,
Cuja morte tão temida
É a certeza de um mortal.