A idade da razão
Estou velho e alquebrado
Na idade da razão
Mas eu vivo conformado
Por ter minha opinião
Em geral sou respeitado
Mesmo velho e pobretão.
Esqueceram que um dia
Eu fui moço e abracei
A formosa companhia
Que no baile acompanhei
Soube esperar o dia
Pra ter a mulher que amei.
Esqueceram que esse moço
Foi um dia o capataz
Que doou o seu almoço
Para poder tirar a paz
Da moça que deu caroço
Há muito tempo atrás.
Essa moça que hoje está
Residindo em outro chão
Esqueceu que nunca há
Meia volta no salão
Que nunca mais poderá
Apagar a humilhação.
Assim mesmo prossegui
Novos bailes frequentando
Novas damas consegui
Pra continuar dançando
Meu futuro eu persegui
Minha mulher procurando.
Frequentei alguns bordéis
Na esperança de encontrar
Nas mulheres infiéis
O prazer de namorar
E rimando os meus cordéis
Evitava de pagar.
Assim ia caminhando
Vendo a vida caminhar
Quase sempre ia cantando
À procura do lugar
Onde houvesse alguém bailando
Para ali também bailar.
Muitas vezes pernoitei
Nas encostas das fazendas
Muitas vezes escutei
Vozes por demais horrendas
Que diziam não dancei
Mas estraguei as merendas.
Outras vezes que dormi
No colchão que eu deitava
Ali sempre eu percebi
Que era dele que eu gostava
Aos poucos diminuí
Os bailes que procurava.
Fui aos poucos assumindo
Minha condição de pai
Meu prazer diminuindo
Na noitada que se esvai
Acabei constituindo
Um lar que nunca me trai.
Meus prazeres de ancião
Hoje trago bem pensado
Deram-me a desilusão
De estar ultrapassado
Mas também a ilusão
De estar mais preparado.
Na idade da razão
Fiquei mais equilibrado
Sempre ofereço a mão
Ao mais desafortunado
Aprendi que dizer não
É para ser evitado.
Meus cabelos já grisalhos
Recomendam que me cuide
Não procure por atalhos
Da minha casa não mude
Se andar entre cascalhos
Da prudência não descuide
Sou assim arrazoado
Meu viver não foi em vão
Meu destino está ornado
Pelo amor do coração
Que eu dou ao ser amado
Sem ter retribuição.