O preço da lberdade
Muitas vezes desejei
Morrer fulminado à bala
Eu jamais acreditei
Que um dia a minha fala
De um jeito que eu não sei
Me livrasse da senzala
Meu senhor era valente
Um covarde para os seus
Se ganhava algum presente
Dividia com ateus
Se julgando onipotente
Era ingrato até pra Deus.
Seu andar era arrogante
Seu olhar uma desgraça
Não sorria um só instante
Sua água era cachaça
Sua voz tonitruante
Soava como ameaça.
Pra mulher era um tormento
Não sabia o que é amor
Todo o seu contentamento
Era produzir pavor
Tinha firme o pensamento
De jamais prestar favor.
Para o filho, insuportável,
Pro vizinho, um ditador,
Com o amigo era intratável
De laurel um cobrador
Da vingança inseparável
Da ira um provocador.
Todo seu tempo era gasto
Provocando sofrimento
O seu pensamento vasto
Fonte de ressentimento
E o seu viver nefasto
Caía no esquecimento.
Sua escala de valor
Era um trem de fantasia
Nele não entra o pudor
Porém muita hipocrisia
Sabe ser um sofredor
Mas disfarça com ironia.
Sua fonte de poder
Era o medo que inspirava
Tinha medo de morrer
O escuro ele evitava
Alguém viu ele correr
Do cipó que balançava.
Certo dia ele chamou
A mulher pra lhe atender
Ela então o recusou
Disse ser melhor morrer
Tão irado ele ficou
Que não soube responder.
Pelo filho procurou
Mas viu a cama vazia
Da esposa então lembrou
Foi ver o que ela fazia
Então muito lamentou
Viu que ali nada valia.
Nesse susto que sentiu
Prometeu recuperar
O seu filho que partiu
E a mulher jurou amar
Pouco a pouco descobriu
Os erros do caminhar.
Foi então ver a senzala
Falou pro velho do relho
Vá até à minha sala
Você vai ser meu espelho
Quero ouvir a sua fala
Quero ouvir o seu conselho
Fui à sala do patrão
Com medo de apanhar
Ao pedir a permissão
Pra na sala eu adentrar
Recebi de antemão
Liberdade pra falar.
Comecei falando baixo
Sem saber o que dizer
Vi o patrão cabisbaixo
Exibindo o padecer
E também vi logo abaixo
A patroa em seu sofrer.
Eu então criei coragem
E falei pro meu patrão
Faça uma nova imagem
Do que tem no coração
Dê amparo à criadagem
Não deixe faltar o pão.
Vi o meu patrão sorrir
Abraçou sua mulher
Disse que no seu porvir
Dar-lhe-á o que tiver
Juntos poderão seguir
Para onde Deus quiser.
A senzala foi aberta
Todos para a liberdade
Vi que fiz a coisa certa
Ao falar só a verdade
Demonstrei na voz incerta
Que amor é realidade.