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«PEGA» ENTRE CANTADORES
 
 

Estado da Paraíba,
Catolé do Rocha, a sede.
Ferve um noitão de viola,
onde a cantoria rola,
e, só lendo, a gente mede.
 
Certo Joãozinho Bilé
é quem banca a cantoria
entre Socó e Bofão,
violeiros do sertão,
de grande categoria.
 
Muita prosa de improviso,
papos bons, bem versejados,
sem baixarias na pauta;
mas que levaram na flauta
e eis versos desaforados.
 
« Mané Bofão, pelo jeito,
daqui você sai na peia.
Em não cantando no prumo,
você vai perder seu rumo,
e eu lhe surro de correia.
 
 – Hurra!...  Você só é macho
com a língua de boca afora,
 a contar muita lambança.
Mulher com você nem dança,
que veado não namora.
 
 – Não me faça desafio,
cabra de boca assanhada.
Pegue lá sua viola,
mas você não tem cachola
e também não é de nada.
 
– Se lhe der só dois trompaços,
já seu couro bem se espicha;
miolo sai pelos olhos,
dentes avoam aos molhos;
fêmea, você vira bicha.
 
– Cala a boca, seu boiola,
 seu nariz é corrimboque.
Você nasceu pra ser puto,
com boneca não discuto,
em mim você nem me toque.
 
 – Ora, muito tem a ver!...
Ouvir ladrar um pançudo
que se faz de cantador,
mas porém é fingidor,
um égua com rabo e tudo?
 
 – Tão cabeçudo que é,
cabelão rabo de besta,
você, sim, é besta mesmo.
Vou lhe fazer de torresmo
e aos ratos boto na cesta.
 
– Essa prosa já me cansa,
pois, ao cantar com perobo,
só sinto monotonia;
racho-lhe a cuca vazia,
jogo num charco de lodo.
 
– Pois, se vai cansar ligeiro,
querendo ir-se à francesa,
é porque você não presta:
comigo não vai á festa
e não canta, com certeza.
 
– Olhe bem, filho daquela,
com sua mãe eu não bulo,
mas topo o seu desafio.
Calado, se der um pio,
você não passa de um mulo.
 
– Então aceite o combate,
que não vou de clavinote.
Seu amásio de uma burra,
aqui você come surra,
depois não vá dar pinote.
 
– Ando cheio com as potocas
de um pulha tão indecente,
ô seu Joãozinho Bilé!
Então, diga como é...
Do bicho mato a serpente?
 
– Mané Bofão, nesta sala
desse ilustre Seu Joãozinho,
não me falte com respeito,
senão lhe bato no peito,
depois leva no focinho.
 
– Não puxe saco do homem,
que o dono da casa é trigo,
e você, Socó Tripinha,
bebe cana com farinha;
não serve pra dele amigo.
 
– Só tomo o meu mata-bicho,
enquanto você se afoga
nos bofes do tira-gosto.
Sei que você tem encosto,
de bebum já veste toga.
 
– Nesta cidade bonita
de Seu Joãozinho Bilé,
nas águas da Paraíba,
eu venho sempre por riba,
de você não dou nem fé.
 
– Então prepare seus couros,
cabra frouxo e malcriado,
e vá baixando a cueca.
 Seu bumbum vai ser peteca,
de peia deixo salgado.
 
– Meu amigo Seu Bilé,
desaforos desse jeito
não levo pra Seridó;
corto o pinto do Socó,
jogo do fogo no leito.
 
– Seu corno velho chifrudo,
vai me deixar enfezado?
Hoje, com olhos atentos,
vou serrar seus documentos:
você vai ficar castrado. »
 
Ao ver peleja tão feia,
sem modos de cantoria,
o mandachuva da sala
levantou-se, erguendo a fala:
– Parem! Só vem putaria?!
 
Na arbitragem da peleja,
Bilé proclamou o empate
no «pega» dos cantadores.
Os dois foram vencedores,
melhor foi assim o embate.
 
Fort., 19/10/2016.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 19/10/2016
Reeditado em 19/10/2016
Código do texto: T5796577
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