Vida de ontem
Uma coisa eu aprendi com meu pai,
E isso jamais eu vou esquecer:
Ar mais puro que o da aurora
Nunca pude receber
Nem tão pouco na China,
Em todos os dias de meu ser.
Às quatro horas da manhã,
O cabra da peste se erguia
Abria a sua janela,
Com a maior alegria
Com suas botas amarelada
O ar da alva recebia.
Esse acontecimento
Hoje pude relembrar.
Com seus 102 anos vividos
Ele pode ir pra um misterioso lugar
Que pelos milagres de cima
Pode esses dias multiplicar.
Eu hoje como o seu filho
Vivo a janela a respirar
O ar puro que exalo,
Que o pai celeste vem me dar
Para pensar no mundo perdido
Que hoje não sabe conservar.
Não sei todo o motivo
De vir à janela respirar
Dizia ser bom pra o pulmão
Pra ele puro se tornar
Mas o que ele pensava
Meu coração quer questionar.
Faço a mesma coisa
Na mesma hora, do mesmo jeitinho.
Aproveito a oportunidade
Pra pensar devagarinho
Sobre toda nossa história
Desse tempo curtinho.
Sou um sujeito disgramado
Quando defendo minha raiz.
Carrego em minhas unhas,
A poeira de um país,
A própria testemunha
De um antigo mundo feliz.
O passado pode não ser bom
Para aquele muito ferido.
Mas uma coisa me deixa arretado
É trazer de volta o que foi perdido
Que um dia fez efeito
Na vida de um moleque querido.
A beira do alpendre
Era nosso lugar de prosar.
Os pássaros cantavam
Quando o dia ia chegar
Todos reunidos cantando
Quando a noite ia raiar.
Buscava água na cacimba
Com o balde perto do juazeiro
Comia rapadura com farinha
No infinito outeiro
Tomando banho de chuva
Usando sabão de cheiro.
Televisão não possuía
Mas histórias não faltavam
A lua e as estrelas
O cenário iluminavam
Dando vida as cantorias
E os contos que encantavam.
Tudo hoje mudou
Até o jeito de falar
Antes tudo era mais puro
Até pra namorar
Antes tudo era mais simples
Até para amigo formar.
Hoje estou convencionado
Com a carreira das mudanças.
Sou do tempo do ronca
Taxado pelas minhas lembranças
Levando sempre repreensão,
De minha pouca confiança.
Não é nada delicado
Sofrer esse tal dilema.
Ontem alpargata usava
Hoje só uso Ipanema.
Ontem do orelhão se necessitou
Hoje o celular é o esquema.
Ontem minha mãe usou corpete
Hoje sutiã é o que minha filha tem.
Ontem comprei na budega,
Hoje compro no mercado quero bem,
Ontem brega eu ouvia
Hoje não se houve quase ninguém.
Ainda ontem andei de lambreta
Hoje moto é como se diz
Beber água de pote?
Hoje é coisa pra infeliz
Geladeira, freezer, gela água,
Pra se viver mais feliz.
Nessa vida de burguesia,
Estrangeiros formaram.
Dentro de meu sertão,
Minhas falas se calaram
Nesse mundo tão perfeito
Que do passado nada priorizaram.
É impossível se lembrar
Com todas essas ações
De um passado bonito
Perdido pelas emoções
De palavras engraçadas
Apagadas pelas distrações.
Coberto com esse véu escuro
Perco minha identidade
Peço a meu Deus do céu
Que guarde com verdade
A vida desse homem velho
Que perdeu sua liberdade.