ZEZINHO FOI UM ESTOURO.
Na porta do campo santo
O enterro empacou
O reboliço foi tanto
Que o caixão se lascou
A viúva do morto
Quase teve um aborto
Quando ela escutou.
Zezinho não é pouco defunto
Nem é qualquer finado
Já que tá de pé junto
Aí não vai ser sepultado
Tudo isso é um erro
Pode voltar o enterro
Aqui não sera enterrado.
A viúva assustada
Caçou quem tava falando
"Quem era aquela safada
E o que tava pensando"
Zezinho foi seu marido
E tava morto morrido
E nada tava escutando.
A voz falou de novo
Pare o enterro agora
Se meteu entre o povo
Uma forte senhora
Com um lenço na mão
E uma raiva do cão
Chegou em cima da hora.
Se aproximou do caixão
E disse: "Zezinho eu cheguei
Tô vindo lá de Brejão
A donde me apaixonei
Quando o destino fez
Te ver a primeira vez
De doida me entreguei"
Aí o tempo fechou
A viúva enlutada
No caixão se agarrou
E disse:"ô quenga safada
Respeite a minha dor
Se não o teu escutador
Eu encho de bofetada.
Zezinho foi homem decente
E sempre me respeitou
Viveu só para gente
E sempre me sustentou
Não falo de arroz e feijão
Mais de amor e paixão
Engula o que falou.
"E eu sou mulher de engolir
Tu nunca foi de Zezinho
Ele só fazia bulir
Com tu um bocadinho
Comigo o bicho pegava
Quando nos se atracava
Virava redemoinho.
A frente do cemitério
Já tava toda entupida
Pra desvendar o mistério
Se organizou uma torcida
Um lado pra viúva molenga
O outro torcia pra quenga
Assim começou a partida.
Seu Juca aboiador
Gritou lá oitão
Vá de vagar com o andor
Vigarista do cão
Lagarta de suspensório
Tu quer ver o velório
Cabaré de ilusão?
Zezinho foi meu compadre
Nunca foi de cobiça
Pergunte aí pra o padre
Se já faltou uma missa?
Tu tá querendo dinheiro
Zezinho foi fazendeiro
A ganancia é que te atiça.
Como em todo enterro tem
Um bêbado azucrinador
Nesse tinha também
Um torto e falador
Com a cara inchada
Tomou uma lapada
Aí desembestou:
"Fale baixo seu Juca
Que isso não é direito
E bote na sua cuca
A quenga tem meu respeito
Eu tava quieto em meu canto
Zezinho nunca foi santo
Foi um vivo cheio de defeito.
A torcida da viúva
Vaiou o bêbado na hora
Já com a vista bem turva
Disse: "eu vou é embora"
Olhou pra viúva e sem medo
Tropeçou e deu o dedo
"Tá aqui pra senhora"
De um lado se ouvia palma
Do outro a torcida vaiava
O padre pedia calma
Mais ninguém lhe escutava
A torcida da quenga
Queria ver mais arenga
Enquanto a viúva gritava:
"Aqui eu quero respeito
Não é lugar de intriga
O morto é meu por direito
Não é dessa rapariga
Eu vou ganhar é no voto
Porque se não furo e corto
O bucho dessa bexiga"
Nisso dona Quitéria
Mulher de seu Pompeu
Querendo ver mais miséria
Disse: "meu voto é teu
Zezinho foi o teu marido
Não foi de outro partido
Que essa quenga elegeu"
O cemitério tremia
Com tanta gente gritando
Cachorro magro latia
Era menino apanhando
Foi guando a quenga pediu
E a torcida ouviu
O que ela tava falando.
"Eu sempre fui de Zezinho
Zezinho sempre foi meu
Eu tenho um armarinho
Foi Zezinho quem me deu
Eu tenho uma frasqueira
Relógio com cinco pulseira
Que ele me ofereceu"
Nos vivia encangado
Como nos nunca vi
O seu tumor inflamado
Foi eu que espremi
Os bilhete que eu fazia
Zezinho coitado não lia
Foi eu mesma que li.
Nos construímos uma garagem
Para armazenar algodão
Fizemos uma barragem
Juntando tostão por tostão
Sem contar que nos dois
Temos um curral de bois
E uma safra de feijão.
A torcida explodiu
A moda aí piorou
Em todo canto se ouviu
O "já ganhou já ganhou"
A quenga se convenceu
Gritava "o defunto é meu"
E a torcida "já levou já levou"
Já passava meio dia
E a disputa aumentava
A viúva queria
E a quenga não dava
O cemitério lotado
Zezinho já tava inchado
E ninguém lhe enterrava.
A noticia se espalhou
Feito rama pelo chão
Teve gente que apostou
Ate o último tostão
Que do jeito que estava
Zezinho só enterrava
Na próxima eleição.
A viúva mais esperta
Discursou emocionada
"Eu sou a viúva certa
A que deve ser votada
Povo do meu carinho
Vamos enterrar Zezinho
Na cara dessa safada"
Quem em mim acredita
Que Zezinho é meu defunto
Nunca mais vai faltar
Caixão para seu presunto
Pois chorando acredite
Que pra morto tem limite
Mesmo assim de pé junto.
Quem conheceu Zezinho
Pode nele confiar
Na igreja ou no barzinho
Se ouvia ele falar
Que eu era a mais bonita
Era eu sua cabrita
Com quem ele quis casar
Depois que zezinho morre
Me aparece essa leseira
Quem não tem perna não corre
Quem tem bainha é peixeira
Quem tem vinho tem a uva
Quem tem defunto é viúva
E hoje sou a primeira.
E de discurso em discurso
Esqueceram do falecido
O enterro deu outro curso
Cada um com o seu partido
E Zezinho derretendo
Inchando e parecendo
Com um baiacu florido.
As três horas da tarde
E a mesma confusão
O povo todo em alarde
A quenga de prontidão
A viúva uma fera
Guando menos se espera
Ouviu-se uma explosão.
Zezinho foi se esticando
Feito pano de balão
Os olhos se aboticando
Parecendo assombração
O caixão foi estalando
Era Zezinho estourando
Feito tiro de canhão.
No raio de umas dez léguas
Se ouviu o estouro
Morreu um bode e seis éguas
De susto cagou-se um touro
Rasgou tudo quanto foi papel
Ate a tal cascavel
De medo caio o couro.
O cemitério tremia
Igual a dança de rumba
E os defunto caia
Pra fora da catacumba
Os aleijados corriam
Enquanto os mudos diziam
Isso aí é macumba.
A quenga desintegrou-se
A viúva se escafedeu
O caixão despregou-se
Não sei a onde bateu
O povo cheio de malícia
Espalhava a noticia
Do estouro que zezinho deu.
Hoje só resta uma cratera
Com o ninho de passarinho
O cenário é de miséria
Quem passa pelo caminho
Nem o cemitério sobrou
Nem um defunto restou
Nem enterraram Zezinho.