OS CONTRAPONTOS DA VIDA

Por Gecílio Pereira de Souza

Em 01/08/2016

01) Com certeza muita gente

Irá de mim divergir

Sobre as ideias e o juízo

Que passarei a emitir

Quanto ao mundo, à vida e a tudo

Deste efêmero existir

A divergência é saudável

Quando se sabe discutir

Para tal é imprescindível

O espírito se abrir

À refrega argumentativa

Ao ânimos de dirimir

Dúvidas ou incongruências

Que o debate produzir

A emulação das ideias

Fazem o espírito evoluir

O solo nem sempre é plano

Mas vencendo o desengano

O que torna o homem humano

É a arte de refletir

02) Sou avesso aos tabus

Ao pensamento engessado

Discuto qualquer assunto

Que o meu saber tenha alcançado

Repilo credo ou preceito

Castrador e petrificado

Quem fácil se escandaliza

Em geral é aprisionado

Às crenças esterilizadoras

Às “certezas” do passado

Nutre-se do preconceito

E do fanatismo arraigado

Move-se pelo vil pavor

Aspira ser recompensado

Se julga livre sem sê-lo

É súdito do rei “pecado”

Vê na razão mau mecanismo

Põe fé no determinismo

O mundo é seu próspero abismo

Pelos céus é tutelado 03) Não me arredo da polêmica

Quando ela não é vazia

Às favas a doutrinação

Irmã gêmea da hipocrisia

Me recuso a prestar culto

Ao diversionismo da fantasia

Meu guia é a liberdade

Da racional rebeldia

O amor é transversal

É volúvel, é o que sacia

Nasce, pisca e fenece

Na insondável idiossincrasia

Amar é invadir o outro

Pelos trilhos da magia

Eterno é o que deixa marcas

Longo é o que dura um dia

Verdadeiro é o que encanta

Deleitoso é o que suplanta

A conduta pseudo santa

Viver é uma ousadia

04) Felicidade é uma deusa

Retraída nos desejos

Sem lar e sem adereços

Nos complexos vilarejos

Da existência humana

De lá emite lampejos

Acalentos tão fugazes

Que inabilitam traquejos

Idosa, mas jovial

Desdenha dos nossos gracejos

Que são jovens envelhecidos

Por interveniência dos pejos

A inversão de trajetória

Nos reduz a percevejos

Em caminhos antagônicos

Na taipa ou nos azulejos

A matéria não resiste

O trevo jamais existe

Perdura a sentença triste

Paradisíacos são os ensejos

05) Onipotente é o cérebro

Força que aos seres move

Onisciente é a razão

Que ao todo possível resolve

Magistrado é a consciência

Que condena ou absolve

Justo é o reto juízo

Que a imparcialidade o promove

Bom é quem se perdoa

Dos pecados que a paixão envolve

Fiel é o coração solícito

Que as muralhas do ódio remove

Puro é quem não subtrai

O que jamais se devolve

Imortal é aquele que morre

E cuja memória comove

Sapiente é o desprendido

Pois um rico empobrecido

É mais que um pobre enriquecido

O contrário que se prove

06) O farisaismo se abriga

No limbo fétido da moral

Os estereótipos representam

O ornamento social

Densifica o irrelevante

Mitiga o fundamental

Instiga a exuberância

Sataniza o sensual

Delinque e crucifica

O éros individual

Mutila a autenticidade

Perverte o deus natural

Descaracteriza as paixões

Num triunvirato banal

Poder, dinheiro e prazer

Na mesma pia batismal

Como se os “miseráveis”

Em suas trincheiras vulneráveis

Não fossem eróticos incontestáveis

Que pleiteiam o zênite carnal.

07)Divino é o que se exaure

Na entumecida vontade

Sagrado é o que contraria

A eclesial sacralidade

Perfeito é o inacabado

Sempre prenhe da novidade

Indelével é a sensação

Que irradia e persuade

Dois seres que se invocam

Por inerente cumplicidade

Profilaxia do torpor

É a recíproca liberalidade

Apoteótico é o fugaz

Perpétua é a insaciedade

Onipresente é a lassidão

Que obsta a continuidade

Da intensa e mútua entrega

No fulgor que os apega

O ser sente e enxerga

Que é humana a natividade

08) Transcendental é o sonho

Imperscrutável é o afeto

Infinito é o interior

Perdurável é o que dá certo

A carência campeia longe

O suprimento que está perto

As manobras amorosas

Não se dão a céu aberto

O vazio existencial

É insuscetível a objeto

O paraíso é imanente

O homem é seu arquiteto

O bem estar dos mortais

Jaz no subjetivo projeto

Revelação é uma quimera

Que não impressiona o esperto

Justifica as indecências

Mercantiliza indulgências

E controla as consciências

Com doutrinamento indigesto

09) A morte é o ocaso de tudo

Porta de saida para o nada

A esperança é um ardil

Remotamente engendrada

Pelo inconformismo do fim

Certeza consolidada

A realidade perdura

Severa e inalterada

A angústia e o sofrimento

Prolongam a curta jornada

As crenças na imortalidade

Põem mais curvas na estrada

São truques ineficazes

Que não adiam a chegada

O medo dissuade o homem

De pausar em alguma parada

Para fruir os bens da vida

Sem a tutela empedernida

E sem a alma ressentida

Da sacra sanção revelada

10) A perfeição é uma tolice

Que o menos tolo forjou

Para manipular os mais tolos

E o esquema funcionou

O “imperfeito” difunde o “Perfeito”

Com o qual se confabulou

Dele recebeu credenciais

E seu preposto se tornou

Um mortal com regalias

Que aos outros mortais sonegou

A predileção do “excelso”

O “divino” mortal conquistou

Em nome da onipotência

Se enriqueceu, julgou e matou

A mente de multidões

Envenenou, manipulou

Patifaria ordinária

Credulidade mercenária

Essa patranha planetária

É prescrita, se caducou 11) A vida é o inusitado lance

Na trama de um enredo

Tal qual a minúscula faísca

Que se apaga tarde ou cedo

Alvo de um cataclismo

Ou do mover-se de um dedo

Vulnerável e surpreendente

Vivê-la, eis o segredo

Com ciosa intensidade

E cardiovital torpedo

O doce enamorar-se

Substitua o olhar azedo

Que os atributos humanos

Formem um céu, criem um rochedo

Onde os mais doces prazeres

Exorcizem o “santo” degredo

Para o amor se articular

Com os desejos poder flertar

E o homem se realizar

Sem ressentimento ou medo

12) Homofobia é uma moléstia

Que ataca os estultos

Necrosa o cérebro e a alma

Desencadeia os insultos

Definha os seres humanos

Tornando-os vivos vultos

O racismo é uma neoplasia

Sua gênese são escorbutos

Que drenam o coração

E pervertem seus atributos

O machismo e a misoginia

Medram infensos produtos

São deformações do espírito

Que não se vê entre os brutos

A xenofobia é um germe

Que degenera os incultos

A intolerância religiosa

É uma moléstia perigosa

Imoral e delituosa

Infantilismo dos adultos

13) O puritanismo é um câncer

Latente nos falsos santos

Expele secreções letais

Causando óbitos e prantos

Atrofia a liberdade

Dogmatiza os quatro cantos

São notórios panteístas

Servos dos ignóbeis quebrantos

Potencializam o suicídio

Ornam-se com fúnebres mantos

Monstros com formato humano

Que atraem a tantos quantos

Dessas víboras se aproximem

Em busca de acalantos

São íncubus sobressaltados

Mas disfarçam seus espantos

Simulam a felicidade

Nos biombos da falsidade

Porém na realidade

São ranzinzas amiantos

14) O fundamentalismo é um mal

Que ameaça gerações

É vírus que infecta as almas

E embrutece os corações

Absolutiza os códigos

Sectariza os sermões

Instiga a animosidade

Justifica aberrações

Relativiza a vida

Massifica os jargões

Pré-estabelece “verdades”

Impõe regras e padrões

Se auto-institui paradigma

Exige genuflexões

Não tolera a diversidade

Aborta as indagações

É máscula a sua doutrina

Insufla e até patrocina

Massacres e carnificina

Por supostos galardões

15) Adorável é a Terra

Genitora dos mortais

Venerável é a natureza

Nos gerou livres e iguais

Igualitário é o Sol

Seus raios incondicionais

Implacável é o tempo

Tutor dos gozos e ais

Salutar é a amizade

Que nos torna cordiais

Respeitoso é o bom senso

Pois desconcerta os brutais

Irreversível é o “destino”

Que nos inscreveu nos umbrais

Eloquente é a velhice

Com seus crivos adverbiais

Solidária é a solidão

Que dribla a multidão

E nunca nos deixa na mão

Nos labirintos existências.

16) O cérebro é a morada de Deus

O resto são alucinações

Os religiosos o transpõem

Para outras dimensões

Quiçá os templos se tornaram

Símbolos das ostentações

Suntuosidade e imponência

Ganham múltiplas dimensões

Excedem o limiar do supérfluo

Inescrupulosos panteões

Prodigalizam-se muitos atos

“Escolinhas”, cultos e orações

Lava à jatos cerebrais

Discursos, ritos e pregações

Dramas existenciais e amorosos

Teatros e encenações

Todo o presbitério presente

Auto-exaltado e indolente

Mas Deus sempre esteve ausente

Perplexo com as insinuações

17) Religião é um alucinógeno

Em última instância nocivo

Que promete “vida” ao morto

Mas decreta “morte” ao vivo

Neutraliza o senso crítico

Modela espírito passivo

Preconiza a insignificância humana

Objeta o saber criativo

Credo algum patrocinou

Avanço substantivo

Na estrutura da humanidade

É um falso paliativo

Justifica genocídios

Com transcendental imperativo

Vale-se de arroubos teológicos

Para manter o cristão cativo

O incontido proselitismo

Desencoraja o otimismo

Recrudesce o conformismo

Ante o Criador vingativo

18) A justiça é uma diva

Com atributos especiais

Seu trono é itinerante

Sem diamantes ou cristais

Sua indumentária é a nudez

Suas sentenças atemporais

Por amor à imparcialidade

Foi expulsa dos tribunais

Diuturnamente assassinada

Pelas divindades legais

Que cometem justicídio

E vão aos seus funerais

Quem lhe encomenda a alma?

Os magistrados vestais!

Com preleções comoventes

Fazem do luto festivais

Celebrizam o cinismo

Se regalam ao jus-sadismo

Designados pelo pedantismo

Pops stars judiciais 19) A eternidade é um engodo

Com prazo de vencimento

Tão efêmera quanto a vida

Volúvel como o sentimento

É um desejo que se desperta

No fragor do envolvimento

Um estampido que rompe

A morbidez do esquecimento

Perene enquanto perdura

É a delícia do acasalamento

Carícias retribuídas

São para a alma alimento

A consumação erótica

Enobrece o intento

A doce embriaguez da cópula

Exprime o vital fermento

O império da razão

Não oblitera a paixão

Equilibra a relação

Torna esplêndido o evento.

20) Insana é a “normalidade”

Pois engendra seres “anormais”

Nostálgica é a juventude

Que não retorna jamais

Temerária é a indiferença

Que obstrui os canais

Do convívio vivificante

Dos contatos informais

Tributário é o deleite

Que dissipa dores e tais

Intrigante é a simplicidade

Com seus gestos magistrais

Pernicioso é o remorso

Pela morte dos ideais

Inferno é o lugar onde jazem

As vítimas das falsas morais

Diabo é o homem avarento

Paraíso é o contentamento

Calvário é o arrependimento

De não termos amado mais.

Oiliceg
Enviado por Oiliceg em 02/08/2016
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